É essa dúvida que me agoniza. É por não ter a resposta de que tanto preciso, o motivo da angústia que me tomou, e ela só não me faz roer as unhas porque nunca fui adepta desse vício que nada soluciona. E tudo se resolveria com uma confirmação. Simples. Positiva ou não, era a resposta exata que me poria de volta à vida ou então me afogaria ainda mais em mim mesma. E em você. Sempre você que mesmo não sabendo, penso, ainda comanda a entrada de qualquer um do sexo masculino que queira se aproximar desse meu coração já empoeirado, porque aqueles que nem sequer se igualam à sua excelência não são mesmo dignos de me habitar.
Puta que o pariu! Onde é que eu estava com a cabeça quando te dei a liberdade de me tomar por inteiro sem ao menos um questionamento, á princípio, fazer? Também não sei e a procuro ainda com falsas esperanças de encontrá-la perdida por aí. Talvez eu tenha mais sucesso na busca partindo do lugar onde tudo nasceu; onde nos encontramos e eu, então, comecei a me perder. Mas no chão, embaixo da cama que foi onde ficou sua camisa naquele dia, eu não vejo nada. Em cima, em meio aos edredons emaranhados sobre o lençol, idem. Nada pelo chão, nem pelos degraus da piscina, nem mesmo próximo aos bancos que repousavam a preguiça coletiva. Os corredores estão vazios e também não há rastros sobre a mesa da cozinha ou a da varanda que ao menos por duas vezes nos fazia vistos durante o dia.
Sem bons resultados, desisti. E ela, meses depois, foi quem aos poucos começou a me perseguir. Feito zumbi. Fantasma que me fez ver gradativamente as sombras desse problema. Você ainda é meu maior problema. É o que me aprisiona, o obstáculo que me atém a cada novo passo em busca de progresso que tento dar. Progresso esse que por todas as vezes falha. Tento, tento, e mesmo que a cada dia mais distante, você ainda me aparece; zumbi mesmo, não há outra descrição mais próxima da minha realidade. Tá tudo bem, tá tudo certo quando me vem sem mais nem menos uma tempestade torrencial de você, de nós. E te confesso que este fardo eu já não sei mais como carregar. Desde que abandonei essa idéia racionalmente ilusória de querer uma profilaxia pra doença que você plantou em mim – e talvez eu nunca devesse ter assumido essa loucura – tenho constatado que vez em quando é melhor deixar que os impulsos sejam contidos pelo bom senso, pela razão da vida porque assim a gente se poupa de tudo que pode vir a ser sofrimento, possíveis até de alcançar o ridículo. Porque cheguei também a me ridicularizar por você. Tanto, que quando você estava ali ao meu lado, entretanto abrigando por hora o corpo de uma outra a quem escolheu por falta de opção – e tempo – dei continuidade á sua tarefa de tapar os meus próprios olhos e te quis bem, te preparei um suco, alguma coisa leve, não me lembro o quê – tudo em prol do seu estômago que aí dentro urrava e te doía. Talvez eu devesse mesmo ter te deixado sentir a queimação incomodando, quem sabe assim você comprovaria na pele a mesma repugnância que eu sempre engoli goela abaixo e que naquele momento se repetia, tomada pelo nojo de vocês dois.
Com ela ali frente a nós, sobrando em meio a tanto desconcerto e coadjuvando nosso desconforto, o qual enfeitou por alguns poucos longos minutos o quarto em que você dormia, você parecia sentir pena de mim, e suas tentativas compassivas de me fazer cega diante dos fatos escancarados embaixo do meu nariz foram ainda mais patéticas. Espera ela sair da sala e vem pro meu quarto. Ah, por favor, hein. E eu, burra – é, burra – até achei legal da sua parte naquele momento, querer me evitar maiores decepções. Me resumia em migalhas, no seu resto, no seu pó. E tenho náuseas só de lembrar que cheguei a acolher o meu lençol que você, provavelmente num momento fora de si pra cometer tamanha falta de respeito, pegou da minha cama pra forrar seu gozo nutrido apenas por saturação, egoísmo e necessidade de por pra fora aquilo você queria comigo, mas que não teve porque ao menos uma vez na vida te foi cobrada a decência para com uma mulher.
Desprezível. É isso que você deveria ser na minha rotina, mas me escravizei por tanto tempo pelos seus maus tratos – que espero terem sido apenas inconscientes –, que acho que me acostumei com o castigo de gostar de você. Estou mesmo condenada a pagar a pena eterna desse amor sem uma força mínima que me ajude a recorrer, que dirá ser absolvida. E é mesmo um castigo você na minha vida. Me cansa, me esgota e me faz idiota. Uma passível dos mais elevados níveis. Na verdade, acho que nem palavras a esta altura conseguem traduzir o quão pequena e menosprezada me sinto por ainda te dar a relevância que você em dia algum mereceu. Embora enraivecida, indignada, inconformada, e intolerante eu esteja exatamente agora, me atrevo ainda a dizer que não te quero mais. Mesmo estremecida totalmente, dos meus pés trinta e seis ao meu último fio de cabelo dourado, quando te vejo e surpreendentemente, por ti sou ignorada. Mesmo quando você fala comigo e eu concordo com todos os seus pontos finais do nosso discurso quase sempre indireto, porque sei serem em vão todas as minhas tentativas de te convencer de qualquer contrário. Mesmo quando te vejo feliz e tenho plena consciência de que deste seu estado emocional eu não fui participativa em um único suspiro sequer. Mesmo que. Mesmo assim. Mesmo quando. Mesmo sem. Mesmo agora. Mesmo não sabendo por quantos dias mais esse sufoco vai se estender.
A tal dúvida que deu início á esse cuspe na sua cara já não é mais tão derradeira para a minha própria paz. Primeiramente porque sei exatamente o que acontece no seu campo de batalha nesse momento, e não sou tão desalmada a ponto de me ver como o centro do universo enquanto outra gravidade sobressai meu sentimentalismo. Também em razão do futuro não tão distante que me aguarda repleto de nova gente. E ainda pelo seu comportamento pueril, indigno do restante da minha paciência com a qual você, sem moderação alguma, se esbaldou o quanto pode. Além de você por inteiro, não queria também que sua curiosidade que sei ser grande, te trouxesse até aqui fazendo com que você lesse o que desabafo agora, porque não tenho a pretensão, por mais nem uma vez, que você se dê o luxo de ver que ainda te cogito, que te escrevo, te penso. Nem que você saiba que ainda não é tão indiferente na minha vida, embora pessoalmente isso seja tudo que eu tento mostrar e, impressionantemente, é também o que venho conseguindo alcançar – minha neutralidade com e sem o seu contato.
Você me apodreceu, me fez desacreditar de todas as coisas boas que um dia já pensei existir na vida de quem nos deixamos amar. E brotou em mim o medo. Tenho medo de entregar em mãos a minha felicidade pra qualquer nova pessoa e por mais uma vez me decepcionar. Por isso, talvez, é que permaneço na tortura de recuar e agüentar sempre sozinha as toneladas de conseqüências que, descansando sobre minhas costas, se mostram monstruosas em quantidade, densidade e aderência. Nunca fui exageradamente religiosa, mas finalmente, Deus. A única explicação para que tal vitória grandiosa, diga-se de passagem, ocorresse. Se mostrou indubitavelmente mais do que justo e presente na minha vida submissa e devota a quem sequer um dia santo foi – quiçá seria e também nunca será – quando me fez de uma vez por todas perceber que você não vale a pena. Que nunca valeu. Apenas o que me sobra agora é dó de quem ainda se rende e se prende a essa armadilha camuflada em meio aos dentes bonitos que enchem uma boca descompromissada e inconfiável – por mais irônico e duvidoso que isso possa parecer para alguns e algumas. Somos agora dois desconhecidos. Dos mais íntimos que, paradoxalmente, podem existir. E sabe do quê mais? Tô preferindo que seja assim. Uma vez que nos decepcionamos tão ferozmente assim, não há memória do passado, por mais bela e impecável que seja, capaz de sustentar a decadência de uma admiração jogada no lixo – ainda mais pelo seu próprio dono.
