segunda-feira, 30 de maio de 2011

Jaz mim

     "Enterro aqui um coração que, louco, sobrevivia apenas de solitárias esperanças - as quais vejo-me obrigada a sacrificar. Estrapolou todas as condições suportáveis; não há mais como tolerar tamanha petulância."
     Ironicamente, o destino fez assim, com que a principal interessada no presente dos deuses se pusesse a renunciar seu único motivo de obter o coração que aqui se vai, no qual ela se alimentava, apoiava e ainda quando não merecedor, o dono daquele leque sentimental poderia sempre dispor-se de tudo o que julgasse necessário, sim, Senhor!
     Ela passa raiva, mas entende os motivos de seu Excelentíssimo. Se sente usada, mas compreende que tudo não passa de instinto masculino. Agrada, conversa, submete-se ao que um dia já condenou, elabora dezenas de discursos para pôr um ponto final em tudo e então decretar sua carta de alforria, e chega por todas as vezes a uma mesma conclusão: o esforço foi inútil e seu Senhor, como o de costume, venceu.
Seria sempre assim, e melhor mesmo que fosse, porém, é de se admirar que o ser humano - ser racional - deixa-se tantas vezes ser levado pelos impulsos e deleta instantaneamente a tecla de nome "CONSEQUÊNCIA" de seu sistema. Com a personagem em questão, a qual também pertence à espécie citada, nada foi diferente, senão por um único motivo: foi ela quem cavou a própria cova. Não no sentido literal do que se diz, pois essa leviandade ainda a proporcionaria noites em claro vendo as lágrimas descerem seu rosto, arrependimento, e um ódio mortal de si. A cova mencionada, foi ela quem fez na vida de seu primogênito amor e, como se não bastasse o fato em si "apenas", a estúpida suicida ainda se deu ao trabalho de fazê-lo se lembrar do local da morte com dia e horas marcadas, além do motivo que a fez morrer em seu (talvez) sensato coração. Uma certidão de óbito quase completa.
     Certamente, ele sempre tão cabeça no lugar, se mostra apto a desligar os aparelhos que mantêm a enferma em vida - pela última vez - na presença de seu mal sucedido amor. Sem ter outra opção e tendo consciência de que esta é a mais viável saída, ela assina os termos de responsabilidade; está de acordo com o desfecho desse romance, cujo fim não poderia ser mais trágico e traiçoeiro - dela, para ela mesma.
     À receptora de tantas diversidades emocionais, só restarão agora as lembranças de uma história que a fez sair da rotina. Enaltece o amado sem deixar de ressaltar seu bom senso, e ainda a compaixão do rapaz para com uma cabeça que se perdeu, por uma submissa do destino que deu lugar a uma catástrofe totalmente desnecessária. Ela despede-se então dos anos, das fotos, dos aromas, do tato, das roupas, das músicas, dos lugares, das brincadeiras, das opiniões sempre tão divergentes, do desejo, das sensações, dos objetos, dos pontos de encontro e dos possíveis encontros, do sorriso que a fazia esquecer o mundo, das mãos envolventes. Despede-se até de seu próprio corpo que não terá então quem o toque, dos autores românticos e de sua vida que, enquanto com ele, foi contada aos poucos em cada suspiro traduzido em palavras. Diz adeus aos carinhos recebidos mesmo que momentâneos fossem, aos olhares, à sensibilidade restrita aos dois e por fim, à vida que nunca foi dela.
     Em um minuto antes do trem que passa por essa estação se aproximar para levá-la aonde o destino escreveu, ela conclui no último momento como protagonista de sua história de amor:
     "Em meu luto emocional, não vou estipular um prazo para meu sofrimento, ou então camuflar a parte que me padece por trás de estímulos superficiais. O tempo há de passar, o vento soprará em novos horizontes e a vida, quem sabe... renascerá!"

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