domingo, 25 de setembro de 2011

Com surpresa, supre sua presa


     Melhor assim. Você finge que me adora e que não vê companhia melhor do que eu para não fechar a noite no zero a zero, enquanto eu finjo que acredito nas suas palavras que me colocam no mais alto dos pedestais (mas que na realidade têm o único intuito de me convencer que não tenho motivos para te negar) e que não há mulher na face da Terra que preferiria não ouvi-las. Negócio fechado! Conveniência aos dois. Até porque, seria o ápice da auto-confiança querer que eu ainda cresse piamente no seu papo politicamente correto e me deixasse engabelar outra vez por sua voz mais do que sedutora. E não é o que acontece. Quer dizer, é, mas não na proporção que, você, graduado e doutor na arte da conquista, pode um dia ter pensado conseguido já que caiu na própria armadilha – deu os passos maiores do que as próprias pernas e nessa tentativa equilibrista de ser, pôs abaixo o circo que me apresentou. Ou não, não sei bem o que pensar, mas talvez – e eu até acredito que realmente – tudo tenha sido de caso pensado, entretanto, admiravelmente, eu soube domar os meus anseios e devolver a importância recebida em igual quantia e valor.
     Burra eu não sou. Jamais deixaria então, que escapasse por entre meus dedos sua pele e seus cabelos áureos que – quando queremos – combinam tão bem com os meus que não têm uma cor ao certo definida. Toda vez que aparece inesperadamente e toma o lugar de tudo que durante sua vontade de estar foragido fora exterminado da minha cabeça, faz com que cada momento volte como um flash ou qualquer coisa de velocidade equivalente e me domina com destreza; fica em um segundo plano, então, todas as ocasiões, sugestões e oportunidades que me aguardariam caso eu te deixasse para depois. Mas não, você é preferência. E sabe de uma coisa? Eu não me importo. Nem com o seu sumiço sempre tão aparente e nem com o seu discurso exatamente no meu ponto fraco – entre a lateral do pescoço e o pé do ouvido – que, enlouquecedor, certamente é decorado silabicamente para, quem sabe, mais tarde ser recitado de novo a uma próxima vítima logo depois que nos aproximarmos do portão da minha casa e eu abrir a porta do seu carro com um pesar que tento fazer invisível, tentando me mostrar apática diante dos seus olhos que não me deixam ir embora sem antes fitar cada centímetro das minhas pernas à mostra na saia preta que tanto gosto.
     Apesar desse seu jeito malandro, gosto de você, mas não a ponto de apaixonada, deixar tudo para trás e viver em função do mistério que te mantém de pé. Gosto é dessa espécie de interrogação que vejo exposta nos seus dizeres, nas atitudes e expressões, e da incerteza que nos ronda, tornando inesperados, e talvez por isso, sempre marcantes os nossos encontros toda vida casuais. Me confunde quando menos espero. A pessoa que me faz sentir a escolhida para representar toda felicidade que esse mundo já viu, esvai-se e deixa apenas em minha cabeça um verdadeiro interrogatório que busca o porquê de tanta contradição. Não era preciso nada do que foi me mostrado, se a intenção final era apenas momentânea. Rio então, da sua tolice e desse tipo de atitude que apenas me faz te ver vazio, infelizmente.
     Ainda assim, como de costume na minha personalidade passiva, deixo pra lá todos os incômodos que me cutucam para que eu faça algo e ponha de uma vez por todas os pingos nos is. Fico com o confortável, e no banco do passageiro, lá pelas quatro ou cinco da manhã, assisto os seus olhos encarando os meus com um sorriso leve e intencionado no canto da boca que masca um chiclete de melancia – me fazendo gostar do sabor que até então pra mim nada mais era do que exótico e desconhecido – enquanto seus dedos deslizam até o botão do vidro elétrico que os fecha, e nesse movimento, me mostram sua tatuagem no braço que por mim é tão elogiada e que exibe sua fé, sua crença em alguém de força maior do que seu próprio ego sempre tão bem massageado.
     Simultaneamente aos vidros que sobem, o mesmo acontece com os meus pensamentos a essa altura já mirabolantes, que devaneiam em um plano nada terrestre, momentos de sentimentos mistos a partir dali. E assim vamos até que a euforia passe e voltem a contracenar os pensamentos agora centralizados, as ambas opiniões sobre qualquer assunto como seu trabalho, por exemplo, que você julga tão cansativo e cuja tensão do mesmo eu tento amenizar quando estamos juntos, até que o ciclo todo recomece em um dia que eu não sei quando e se virá. Me preparo então para mais uma vez me despedir de você – da maneira como descrevi – e dessa constante eventualidade que vivemos, com um lema em mente que exprime algo do tipo ‘sempre, mas agora pela última vez’.

sábado, 24 de setembro de 2011

Dezoito


     Ele está chegando. Em breve e ao mesmo tempo vagaroso como quem é arrastado por um tédio contagiante em meio às horas da semana, que quase sempre é cansativa e me faz ansiosa por seu fim. Mas vem constante, cada dia mais próximo e eu, sem outra alternativa que acelere o ponteiro dos relógios, o aguardo.
     É curioso e estimulante tentar entender essa vontade implantada na juventude em querer envelhecer – pelo menos enquanto os fios de cabelos não branqueiem, a pele não enrugue e a lei da gravidade não dê os sinais de sua indesejável presença colocando para baixo tudo o que no lugar de sempre deveria permanecer. Todavia, se tornou convenção desejar e receber calorosamente a tão sonhada maioridade. Talvez alguns passos que a partir do décimo oitavo ano de vida possam ser tomados sozinhos, expliquem tamanha euforia até a chegada da hora certa de assoprar as velinhas sobrepostas no bolo que, simbolicamente, representa mais um ciclo encerrado. Pura ilusão. Que é que pode mudar da véspera de aniversário ao dia de glória que, na realidade, te dá dois tapinhas nas costas e de presente, o comunicado que a partir dali, você já pode ir preso e, se homem for, terá de alistar-se ao exército logo menos? Não adianta esperar pelo dia em que nasceu, dezoito anos após chorar e respirar sozinho pela primeira vez para então rebelar-se e acreditar ser dono do próprio nariz e os outros que te respeitem. Olha, se você não tem uma renda que te dê sustentação completa, que te faça independente das roupas passadas e engomadas que a mamãe faz questão de colocar em seu armário, que te locomova do centro da cidade ao bairro onde mora sem ligar para o papai te buscar, e ainda não tenha como se alimentar sem alguém que te chame dizendo que a comida está sobre a mesa, sinto lhe informar, mas é mais do que recomendável que você abaixe a crista que na adolescência insiste em querer se destacar e, mais uma vez, submeta-se às vontades de quem realmente merece respeito.
     Não quero ser tachada de careta e com um ar pessimista, negar toda essa liberdade que – em partes – os dezoito anos trazem. Adolescente que também sou, sei bem como é ter de esperar a idade imposta pela constituição para poder usufruir de certas ocasiões, e dentre elas, a mais cobiçada, a carteira de motorista. Sair pelas ruas cidade a fora sobre quatro rodas quando o mundo parece estar desabando bem em cima de nossas cabeças e sentir-se livre da hora marcada para colocar os pés de volta em casa; perambular por entre as esquinas e avenidas com os vidros abertos, deixando que o vento bata nos cabelos e refresque a alma que agora se sente, literalmente, maior, são algumas das tão notáveis diferenças cotidianas que vêm com os anos. E por falar em notáveis, há também o outro lado da questão que antes nunca fora visto, mas agora confunde e bloqueia tantas idéias um dia já quistas na prática.
     Escolhas e responsabilidades, profissionais ou sentimentais, da vida. O curso do vestibular que direcionará aos anos futuros vivendo daquilo que foi escolhido e tanto batalhado para se conseguir, em meio à tortura que é decorar as fórmulas mais desconexas que a física exige, as datas históricas de guerras e revoltas ou ainda a conjugação correta de um verbo defectivo. Estudar, estudar (geralmente aquilo que nunca será preciso). Palavra tenebrosa para mim, que sou contra qualquer obrigatoriedade que se mostre desnecessária às minhas necessidades vitais – e quanto a isso, me refiro ao parêntese pouco acima. Pensamentos antes longínquos aproximam-se em uma progressão geométrica que assusta. É preciso trabalhar, amadurecer e dar início á vida independente, trilhada com as próprias pernas e desprender-me do ninho que foi criado para que um dia eu abandonasse.
     Cresci, ainda que duvidem de tal fato e a essa nova fase dada à minha vida, temo e desconfio. É como se eu estivesse diante de um penhasco, segura apenas por um pára-quedas que talvez simbolize minha crença em algo que me tranqüilize, sejam santos, deuses, superstições, ou apenas a simpatia otimista pelo destino que agora me testa e me desafia pelas novas vertentes que o tempo imporá e que eu hei de encarar, sim.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

De proibido à deslumbrante


     Sensibilidade a mil, sentidos à flor da pele e, sabendo olhar, conclui-se o quanto é bonito o envolvimento entre dois corpos. Hipocrisia é querer recriminar o que no íntimo de cada um é tão desejado e ver como pecado o que mais se quer na companhia de alguém: a união de dois corpos, similares ou não. São ímpares todos os motivos que temos para fazer com que cada combinação seja única.
     Estar a sós com quem passaríamos o resto das horas nessa vida tão cheia de surpresas é o passaporte para a felicidade escancarada no riso que sai fácil do canto da boca e logo toma conta de todo o rosto nos segundos que parecem passar vagarosamente só de sentir a presença do outro. O aroma da pele, natural do ser humano, é que torna cada pessoa tão singular e nos remete no mesmo instante a quem plantou e ainda rega na companhia que teve, o desejo de repetir qualquer fragmento dos momentos que certamente são guardados na memória do corpo e da mente.
     Perdem-se os sentidos racionais que apressam cada minuto daquele episódio tão pacífico e dá-se o caminho livre para a entrega total ao prazer. Um simples encontro com aquele que desorganiza todas as formas de pensamentos já planejadas para quando esse dia chegasse, é a chave para o embaraço que mesmo na tentativa esperançosa de estar escondendo a turbulência que ele causa, é transparente não só para todos que figuram secundariamente aquela cena que tem como protagonistas o ‘casal’ ocasional, como também para a fonte de toda essa adrenalina. O beijo de cumprimento dado na bochecha, lento e intenso, transmite todas as intenções que estão por trás desse breve ato e logo são captadas por ele quando seguido de um olhar atento e fixo às íris castanhas.
     Os rostos se aproximam e já é perceptível a respiração ofegante que sai da boca entreaberta de ambos, as quais tiram de cena todos os milímetros que separam os lábios sedentos por um beijo. As mãos, ao mesmo tempo deslizantes e firmes, dão os cumprimentos umas as outras e como um ímã se entrelaçam sem nenhuma força contrária que as separe enquanto dura o abraço tão completo quanto duas peças de um quebra-cabeça que se encaixam; elas viajam por toda a extensão da pele que em um momento de completa entrega contraria qualquer pudor e deixa que sejam libertos todos os instintos camuflados nas vontades que há em cada corpo. Os olhos, cerrados, voltam aos poucos a se encarar após o laço que foi selado por um minuto. O coração fica palpitante e um frio inesperado que surge sabe-se lá de onde em meio a tanto calor humano, domina dos pés à cabeça o corpo que por hora é acéfalo – não pensa, só responde aos reflexos enviados e reciprocamente retribuídos pelos felizardos que acompanham um processo mútuo de pura inércia.
     Esqueça o perfume de rosas, a chuva de prata e os anjos fazendo a trilha sonora de sua noite de amor com sinos e harpas. Real e gratificante mesmo, é sentir a necessidade do outro em tê-la para si só; é a vontade de absorver todas as sensações dadas e recebidas onde a única intenção é a busca pela felicidade ainda que por uma ou duas horas. É sentir cada pelo dos braços, costas ou barriga ouriçados porque os poros da pele se arrepiam naquele momento, e notar as batidas cada vez mais freqüentes do coração que mal cabe dentro do peito, tamanha satisfação que vive até que... o mundo se transforma e todo aquele cenário imaginado a princípio, em termos meramente psicológicos, acontece. A intimidade é tanta que abre portas à possibilidade de confundir onde é que termina os cabelos longos e soltos da moça para dar início aos pelos pequenos e espetados da barba por fazer do rapaz. Só o que se sente é o cheiro suave e romântico das rosas, tudo o que chove é prata, ouro, estrelas e os demais astros que fizeram a noite, de fato, brilhar e as harpas e toda a orquestra que se ouve, nada mais são do que os suspiros que expressam – em uma só palavra – a plenitude experimentada.
     Vai embora, então, todo o transtorno que os impulsos hormonais e afetivos – independentes de amor e juras eternas – trazem consigo e ficam apenas as boas lembranças. Os pés que roçavam em sincronia um no outro, o braço musculoso que servia de apoio para os olhos que adormeciam, ou ainda os dedos delicados e leves que escorregavam do nariz em direção à testa com destino aos cabelos curtos que tanto são acariciados para amanhecer no outro dia com os dentes a mostra devido ao sorriso que estampa a cara e entrega os pensamentos. Como um filtro seletivo, do que não foi bom deve-se despedir, e apenas conviver diariamente com tudo aquilo que não se cansa de relembrar e esperar ansiosamente.