Então é Natal. E quando menos esperarmos, ano novo também – época de se refazer interior e exteriormente. Comprar um vestido branco pra ver se dessa vez ele traz mesmo a paz que garantia, calcinha e sutiã vermelhos pra não faltar amor no ano que se aproxima, pintar as unhas, retocar as raízes, deixar em dia a depilação e a hidratação no cabelo pros dias de festas e fazer a auto-estima tocar o céu. É dia de ver como o ano passou rápido, quantas pessoas diferentes passaram pela sua vida, somar o quanto você riu a todas as vezes que chorou, analisar o resultado final e avaliar o que valeu mesmo a pena. Se houve um superávit na conta das vivências, ótimo; no que depender de você, tudo tende a ser cada vez melhor a partir do dia seguinte, mas se um sinalzinho de menos vier logo á esquerda do fim dos cálculos, há motivos pra preocupação e a primeira reação a se tomar não é uma das mais inusitadas. Promessas de novas dietas, mais dedicação nos estudos, mais academia e menos doces, preferir os ouvidos a boca, temer menos e viver mais – entretanto, sem confiar tão cedo no cara que disse ter esperado por alguém como você por toda a vida, porque ele vai te mostrar seus reais interesses assim que você ensiná-lo o caminho que desabotoa o botão da sua calça e desfaz o laço da sua blusa – e no fim, o que vai acontecer é que muito provavelmente faltaremos com todas as juras feitas na hora de ouvir o estouro dos foguetes e a contagem regressiva pro ano que vem vindo novinho em folha, branco como um sulfite, que é pra escrevermos nele o roteiro já planejado antes do dia primeiro. Nada imprevisível.
Eu, particularmente, não gosto desses dias finais do mês em que todos parecem se amar de um jeito nunca feito antes, ser solidários e irmãos de todos. E os outros onze do calendário não contam? Digam que sou insensível, ou que não dou valor aos meus queridos, enfim, pensem o que quiserem, porque a sensação de angústia que tenho sempre que se aproxima o dia vinte e os seguintes, não vai embora assim tão fácil. As lembranças que me acompanham nessa época não são as mais saudáveis e tudo me remete àquilo que se eu pudesse escolher, viveria apenas nos meus últimos suspiros em vida: conversas decisivas e derradeiras que me fizeram sofrer ao longo do próximo ano (inteiro), sustos e acidentes inesperados em casa, provas que superavam seus índices de chatice e cansaço a cada uma que era feita, e meu ânimo pra que algo de bom acontecesse escorrendo pelo ralo. De joelhos e mãos ao céu, agradeço. Acabou!
Agora, com um passo a mais me lanço desse precipício – substantivo que encontrei pra encarar o ano que vem chegando ao fim – e dou de cara com o incerto, porque o roteiro vivido até então se despede: a menoridade, a vida programada, as pessoas esperadas diariamente, os compromissos sabidos pela tarde, o coletivismo em meio às aulas, e provas, e recuperações, e trotes, e piadas, e discórdias, e concorrências, e ensino médio. A vida agora é outra: faculdade, trabalho, novos horários, gente desconhecida, oportunidades inéditas, possíveis amores. Recomeço de cara limpa, peito aberto decidido a encarar o que vier e alma nova pedindo aos ponteiros quando tocarem o ponto mais alto do relógio, que formem uma barreira contra tudo o que a mim foi um empecilho nos últimos trezentos e sessenta e cinco dias, pois ainda que lá pra março ou abril tudo pareça ter voltado a ser como era antes, ainda não morreu em mim – e talvez em ninguém – a velha esperança de que no ano que vem as coisas serão melhores.






