terça-feira, 15 de novembro de 2011

Na memória do coração


     Você agora é um problema meu. Não mais nosso, porque isso que vivo só, já não cabe a mais ninguém. Talvez nem a você mesmo. Evito falar de ti até para as minhas amigas, porque sei que essas dores de amor são os assuntos mais insuportáveis de se ouvir, e elas não merecem viver comigo esse martírio que inventei. Você só existe pra mim. Quando eu tô sozinha no meu quarto e uma foto de nós dois no meu mural se reflete no espelho pregado na parede. E também quando tocam nos rádios ou no meu celular todas aquelas músicas que nos acordavam às duas da tarde. Ás vezes até torço pra não te encontrar nos lugares onde isso é fácil de acontecer, porque o modo como nos trataríamos, seria ainda mais doloroso para ser presenciado outra vez. Estranho, né? Só não mais do que nós hoje em dia. Por isso prefiro ainda filtrar em mim apenas o que foi positivo e não desacreditar da sua beleza física e mental. Espero que não, mas já pensei estar platonizando essa história, tamanho vício que sustento. Todavia, se for isso mesmo o que acontece, eu o faço de maneira extremamente carinhosa e paciente. Um dia a gente se encontra por aí e tira a prova do que será, ou não. Você sem nada que te prenda ou te ponha em dúvida quanto a nossa suposta caminhada, mas dessa vez, juntos, e eu como sempre estive: a sua disposição. Acho que tudo conspira mesmo é para isso, que nos esperemos e tenhamos em mãos a maturidade que já nos fora escapada. Esperar, por mais angustiante que seja, também é bom. Faz nascer na alma a consciência e, mais uma vez, o amadurecimento de tudo que existiu de maneira errada por ter sido impensada, e nos traz de volta a chance de reconstruir de um jeito mais adulto e sensato o que ainda pode ser. Eu, que sou viciada no filme que vive uma história de amor interrompida por um naufrágio, concordo plenamente com a frase final que a protagonista sobrevivente deixa sobre seu amado: “He exists now only in my memory.” E não se preocupe, aqui você estará salvo, sempre!

O que os olhos não veem, a imaginação envenena


     Gosto de beber cerveja e não faço mudas as minhas gargalhadas; muito pelo contrário, deixo que elas saiam livremente pela minha boca e mostrem a todos a alegria que me domina, mesmo que essa seja apenas do momento. Adoro delineador nos olhos e mais ainda um batom vermelho vivo nos lábios, mas sei que os acessórios não combinam na mesma ocasião. Tenho as pernas grossas e gosto delas assim, por isso não é difícil me verem usando um short jeans, ou uma saia acima do joelho. Se o assunto é salto alto, também estou por dentro. Não os recuso mesmo quando meus pés estilhaçados pelo número quinze tentam me obrigar a descer. Prefiro preto a branco e vermelho a rosa – e isso minhas unhas quando pintadas podem mostrar. E já quiseram uma resposta direta e certa acerca do sutiã que visto. Ignoro. E sabe qual é o problema em não ligar por uma fração de segundos sequer para aquilo que as outras bocas dizem de maneira quase sempre pejorativa todas as vezes que se deparam com alguma dessas preferências que a mim são peculiares? Eles – que no plural também se refere a elas – se confundem. Pareço até um catálogo do qual você pode escolher a dedo o suposto erro que mais, ou melhor, que menos lhe agradar e a partir daí apertar com o maior gosto e a força de mais alta potência que lhes couberem, o botão cuja função é apedrejar.
     Se bebo, sou vulgar. Se meu batom é vermelho, sou puta. Se o short estiver um palmo acima do joelho, sou piriguete. Se rio em alto e bom tom, sou exagerada. Estou mesmo por trás de todas as peças que descrevi e assino embaixo quanto a minha ciência em usá-las, bem como o vocabulário que exponho, as músicas as quais ouço, as idéias que defendo e as pessoas com quem ando. Porém, quem vê apenas um metro e sessenta de altura, cabelos longos, peitos e pernas, desconhece um mar de tantas outras virtudes. Jamais quis ser eleita a menina pra casar, até porque tal demonstração de compromisso nunca foi meu sonho de consumo. Falo gírias que geralmente são usadas com maior freqüência pelos homens e às vezes até ajo como um. Não faço cerimônias para sentar no chão, e nem mesmo pra xingar se meu humor por hora exige, e também converso abertamente sobre drogas e sexo. Acho que até o momento nenhum homem se candidataria, certo?! Provavelmente. E os motivos, alguém pode me dar? Não, não precisa; são mais do que óbvios. Eu simplesmente não seria a preferida dos raros que hoje se dispõem a colocar uma aliança na mão esquerda antes dos trinta e cinco, por acreditar que não saberia me colocar em um segundo plano na vida do talvez (sim, a crença na fidelidade do outro é apenas uma possibilidade já que o caminho do anelar esquerdo ao bolso da calça jeans não é nada distante) recém-encoleirado, porque antes viriam os domingos de futebol: o amador no campinho da cidade e o profissional na televisão. Também preferiria estar em um salão de beleza cuidando do que é meu ao invés de ganhar como nova profissão o cargo de secretéria-por-vinte-e-quatro-horas-do-marido, sempre pronta pra cozinhar o prato que mais lhe agrada, lavar, passar e engomar as roupas como ele prefere e não me esquecer de deixar separada do lado de fora do armário a camisa que no dia seguinte ele usaria. “E as crianças?” Desculpa, mas acho que perdi alguma parte do raciocínio porque não me lembro delas. Espero não ser castigada, mas tá aí um objetivo que vive completamente fora dos meus até o momento: filhos. Dão trabalho, sim, e pensando bem, já existem tantos que sofrem nesse mundo, pra que então colaborar com tal calamidade? Não que eu poria em vida um descendente meu em genes e semelhanças para sofrer, mas a vida por si só cumpriria com o que eu como mãe tentaria ao máximo evitar. Melhor então pensar em outras coisas. Um casamento provisório, quem sabe. Há tantos que hoje utilizam tal contrato, e fazem com que as dores de cabeça sejam consideravelmente reduzidas. A gente segue como tudo manda: trocamos os anéis que juram ser fiéis, amar e respeitar um ao outro por toda a vida e assinamos os papéis, e quando o prazo de validade se esgotasse, veríamos o que deveria ser feito: prosseguir ou interferir. É uma proposta tentadora, um caso a se pensar.
     Sei bem que meu pensamento um tanto quanto moderno possa interferir na imagem que passo. Desinteressada pra uns, desvalorizada pra outros, desleixada pra todos. Não digo fisicamente, porque sei bem e gosto de me cuidar com todas as feminilidades que tenho direito, mas talvez o que julgam pode ser moral e eu agora tenho que pagar por algum erro cometido no passado. O preço cobrado é às vezes elevado, mas não reclamo porque sei que deve ser necessário. Só penso que aqueles que desconhecem o que está por dentro daquilo que só é visto de fora, devem se auto-regular e no mínimo ter a razão do que pregam com tanta convicção. Provem-me que não valho a pena e eu, então, me calo.
     Não venho diante dessa espécie de desabafo, promover minhas boas qualidades a qualquer um que esteja de bobeira por aí. Mas é que esse papo de ouvir de outros o que talvez já fora distorcido por inteiro, principalmente quando o assunto me diz respeito, cansa, sabe, e tira precocemente da gente a credibilidade que deveria a mim ser creditada, porque sou mais do que as noites alcoólicas, a maquiagem borrada e a companhia de alguém por uma só vez. E quem não é, ou nunca foi? Não conheço, pois por mais visão de futuro, moral e bons costumes que qualquer pessoa tenha, são imprescindíveis os momentos de fuga: da sociedade e das mesquinharias que ela nos impõe, e dos pensamentos curtos dos outros que por falta de preocupação com o próprio viver, atenta-se ao do próximo que anda em paz com as próprias condutas.
     Basta apenas ter a mente independente o suficiente a ponto de ser dono dos próprios desejos. Bebo quando quero, visto o que gosto, amo ao meu modo, e isso eu sei bem fazer. Despreocupem-se então, se me virem andando pelas ruas próxima a uma ponte: não vou pular; nem mesmo para o seu (des)prazer. E fiquem tranqüilos, pois as conseqüências que mais tarde me serão atribuídas por tudo que vivo, já têm minha total consciência, dispenso as recomendações onde as malícias transbordam, pois sei bem o que de melhor devo fazer por mim e para mim. Obrigada!

domingo, 6 de novembro de 2011

O tal do primeiro amor


     Quem é esse que tem nome, sobrenome e um histórico de crimes assustadores na vida da sua vítima mais freqüente? Se souberem, por favor, me dêem o endereço completo de onde ele reside, porque a penalidade atribuída ao infrator não será simbólica. Caso tivéssemos em mãos o poder de conter as loucuras desse ser com identidade, muita dor de cabeça poderia ter sido poupada a todos, que – ironicamente –são reféns de um fugitivo, e apenas mais um dos que já provaram o sabor que pode ser considerado no mínimo estranho para quem era virgem de tal sentimento. É estranho, porque contesta tantos postulados antigamente defendidos por unhas e dentes até que o ousado da vez chegasse. Não sei quanto aos demais, mas a mim isso incomoda, e muito, pois foi dessa maneira que me vi gradativamente perdida na pior das hipóteses de mim mesma, e dei a ele a grande parcela que abdiquei dos meus princípios em troca de quase nada. E foi irreversível.
     Com a convivência, só ou não, é chegado um ponto em que já não é preciso contratar detetives e nem clamar por advogados, policiais ou qualquer uma das forças superiores para que seja desvendada a situação. Deixe-se apenas sentir e verá que aquilo é novo, único e inesquecível apesar dos ferimentos que o invasor possa ter deixado como pista de sua passagem. E que podem se passar os anos, as gerações, e outros de afeto similar – mas nunca igual – ao pioneiro, porque ainda assim ele resistirá às fotos batidas prestes a se decompor, às cartas de papel gasto por tantas vezes serem lidas e molhadas devido á companhia das lágrimas e aos aromas que não se perderam nem com a distância do tempo, porque a memória resgata cada partícula do que foi vivido. E então, pela primeira vez você reconhecerá o mais novo habitante do seu mundo paralelo a esse tão mal organizado em que vivemos. Em uma oração simples, a qual deveria te livrar de todo o mal, amém, o sujeito composto por mil e um caprichos anuncia assim como quem não quer nada além de você por inteira: “Prazer, sou seu primeiro amor!”
     Já adianto àqueles que, assim como eu, são passageiros de primeira viagem dessa aventura: ele é complicado. Tem suas próprias vontades e bate firme o pé no que deseja mesmo quando a razão, que deveria ser superior a todas as insanidades que o primogênito comete, impõe suas ordens. E ele te fará quebrar a cara também; não há do que duvidar. Além de te fazer masoquista, pois ainda que seja nítido o seu sofrimento e o choro, não deixará que você perceba em outro par de olhos a solução para o encontro solitário de todas as noites com a cama, que não tem outros pés com ou sem meias para brincar enquanto o sono não vem.
     Mas também vem para o bem, e junto das trágicas noites mal dormidas e muito bem choradas, te ensinará a crescer. Por dentro, a inocência que exterminou sem dó o que era pura integridade, se transforma e faz nascer uma outra mente, que dessa vez vem multiplicadamente paciente.
     Dos benefícios, o maior: saber que ele existe. Ainda que turbulento e de difícil encontro (definitivo) com a realidade, é bom poder acreditar que alguém conseguiu despertar num coração que acabou sendo corrompido por pura revolta e falta de compromisso – consigo e com o outro –, aquilo que até hoje é o que de mais bonito conheci. E quando os dois derem de topa por aí na esquina de casa ou num bar da cidade, o desbravador que conseguiu nela a proeza do amor, merecerá ser homenageado com Oscars, foguetes e medalhas áureas e maciças. E ela, com beijos na testa, abraços de despedida, cócegas na barriga e, enfim, a retribuição da primeira e até hoje única plenitude que nunca lhe foi sem sentido e em hipótese alguma, desacreditada.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Escrevo, logo existo


     Se pensar é logo existir, quase faço as de Descartes minhas próprias palavras. Ao trocar o verbo, me reflito em um pensamento parecido com o do filósofo, pois quando escrevo é que existo. Não sei ao certo o dia em que nasceu em mim essa necessidade absurda de ter que colocar num papel todos os meus pensamentos às vezes tão transitórios, talvez de difícil compreensão e raramente constantes. Provavelmente há uns cinco ou seis anos, e o motivo era comum: paixonites nada mais do que platônicas. Mas de qualquer forma, só sei que preciso. Tomei gosto pela coisa e sempre que vejo o desespero, a melancolia, a felicidade ou qualquer outro sentimento dar sinal de vida nesse corpo que carrego, é frente às linhas ou ao teclado que me refugio confortavelmente.
     Antes de tudo, para mim. É este o destinatário final e primordial de todos os escritos. Estou á frente de qualquer alvo que pareço desejar atingir todas as vezes que transponho em palavras aquilo que minha garganta falha ao tentar dizer e minha boca teme balbuciar. Sou um tanto quanto problemática quando o dever é por para fora tudo o que se pensa e sente, a fim de solucionar possíveis desentendimentos. Não sai, e tentativas não me faltaram para chegar a tal conclusão. Embaraço-me nas ideias tumultuadas dentro da cabeça e acabo por piorar ainda mais a situação que às vezes chega a ser de estado de alerta, tamanha a necessidade do esclarecimento. Por isso, àqueles que já foram transcritos por mim, peço que não se sintam invadidos, porque, embora a suposta exposição possa ser sua, a necessidade é inteiramente minha.
     Vejo que esse texto está mais para uma justificativa das palavras que compartilho, porque há quem tenha uma imagem pejorativa do que coloco aqui, e faz-se valer de comentários infames quando – sei lá porque, já que não gostam daquilo que se deparam – dão o ar da graça ao blog. Tem quem zombe, quem ignore, quem critique sem meros fundamentos e pense que tenho a prepotência suficiente para querer ser a nova Clarice Lispector, já que também escrevo de maneira introspectiva como bem fazia a poetisa. Digo a esses que não! Que nunca tive como objetivo alfinetar alguém enquanto deponho minha vida e menos ainda em me fazer sentir digna de receber a dó de quem me lê. Se hoje prevaleço diante dos fatos que vejo relevantes e merecedores de narrações, é porque sei que os escolhidos para meus relatos terão do outro lado alguém que os acolha, pois enquanto alguns menosprezam, outros elogiam e fazem com que assim eu me sinta ainda mais motivada a continuar: pelo meu próprio bem.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Hoje, nada mais que devaneios


     O que eu queria é saber por onde anda você às dezessete e dezenove da tarde, exatamente agora, enquanto estou aqui mexendo nos meus cabelos como o de costume que faço ao mesmo tempo em que escrevo. Você eu não sei o que faz, mas queria. E como. Queria poder estar na sua casa assim que você chegasse, e saber o que é que aconteceu durante o seu dia, e lá, te oferecer toda recompensa das suas horas cansativas. Massagear seus pés que acho tão bonitinhos, e te fazer carinho bagunçando seus fios curtos quando você se deitasse no meu colo, e me contasse empolgado sobre as suas conquistas que me deixariam ainda mais orgulhosa de você rente a mim, ou então dos obstáculos para consegui-las, me dando assim a oportunidade de te motivar a não desistir. E quando eu me levantasse do sofá que pareceria ter um ímã me puxando de volta às almofadas para que eu não saísse em momento algum de perto de você, prepararia uma bebida acompanhada de alguma coisa prática e instantânea para comermos, porque cozinhar nunca foi meu dom maior. E se você quisesse assistir um filme, por mim tudo bem. Não ligo, até porque eu não prestaria o mínimo de atenção nas cenas de aventura ou ação, as quais você provavelmente escolheria. Preferiria mesmo é continuar ostentando sua cabeça sempre tão pensativa sobre as minhas pernas, e perder meus dedos entre os seus cabelos, até que você se entregasse ao sono e me deixasse ver mais uma vez os seus olhos que, quando fechados, transparecem a sensibilidade escondida por trás de tanta resistência a tudo; e nesse momento, por esse simples fato de manter fechadas as pálpebras, confirmaria todas as qualidades que vejo em você apenas te observando dormente, aquelas que eles tentam me colocar em dúvida se você é ou não merecedor de tamanha admiração. Então, quando a chuva começasse a cair e os primeiros pingos fossem desenhados nos vidros da janela que estaria próxima á nós dois, deixaria que meu abraço te aquecesse e te fizesse querer estar ali por todos os dias, confortável e amado. E depois, quando você acordasse do sono que te deu paz por alguns longos minutos, quereria apenas que me retribuísse com um beijo macio todo o amor que lhe tem sido dado há tanto tempo. Ao chegar a hora da despedida, adiaria o máximo que me fosse possível fazê-la. Fingiria um cochilo quando o ponteiro menor do relógio se aproximasse do meu tempo limite junto a ti, mesmo que minha posição para pegar no sono de maneira tão fácil não fosse uma das mais confortáveis, tampouco convencíveis. E por ali eu ficaria: falseando o meu dormir e sentindo sua respiração soprar a ponta de alguns fios dos meus cabelos, até que notassem minha ausência e meu celular vibrasse, porque eu não quereria te incomodar com nenhum barulho, senão o do meu peito palpitando a satisfação do momento. Aí então, não teria mais como evitar a partida. E seria me levantando vagarosamente do sofá que me presenteou com tanta magia em simples gestos, que eu deixaria em você não mais o meu nariz roçando sobre o seu e nem meus olhos que te encararam fixamente sem nenhum descanso. Como lembrança, ficaria contigo nada mais que o meu cheiro e em troca levaria comigo o seu, para que sozinha no trajeto até a minha casa, você pudesse me acompanhar não mais em cinco, mas ao menos em um dos meus sentidos, para que quando nos deitássemos novamente, por vez eu sem seus braços e seu peito me servindo de travesseiro, e você sem esse cobertor ambulante que eu seria sobre seu corpo me negando a desaquecer tanto amor, voltássemos a nos encontrar, porque ainda teríamos um ao outro por toda a noite: agora nos nossos sonhos.