sábado, 8 de outubro de 2011

Ao amor, a cicatriz


     Vem a chuva fina e fria, e com ela as lembranças. Boas ou ruins, são sempre companheiras inseparáveis das gotas que agora caem silenciosamente no chão, mas não na janela próxima a mim, e me fazem lembrar de outros momentos também cinzentos, entretanto, sem sinal algum da melancolia que hoje, aqui escrevendo, vivo enquanto retrato o que já se foi.
     Pelo aroma que ela traz, me aproximo de uma realidade já inexistente. Na falta dos outros quatro, o único sentido que me resta é sentir o cheiro similar àquela garoa que caía também nas venezianas do quarto no qual dormíamos. E era tão surreal que nunca me incomodava; pelo contrário, quando gotejava e a partir daí, começava a chegar com mais freqüência, eu apenas comemorava, pois assim tinha seus dedos por entre meus cabelos por mais tempo naquele ócio confortável de deitar e esperar o tempo passar sem ter que pensar em mais nada, senão na possibilidade de você sentir frio e eu então te abraçar para que isso logo pudesse passar.
     Quando não queríamos nos esconder, era embaixo dela mesma que eu mostrava toda a felicidade que vivia provisoriamente. Os beijos que te dava e com tanta simetria recebia de volta, independente do que houvesse por trás dessa troca (aparentemente) afetiva, eram ainda melhores quando acompanhados da pureza da água que naquele momento lavava qualquer má sorte moradora do meu corpo e também da mente. Abraçada a você, nosso calor era mais forte do que os ventos que tentavam me amedrontar. Prova disso era sempre que trovejava e as luzes se apagavam. Você se mostrava ali, presente e apto a me proteger e me mostrar que tudo estava bem quando notava meu susto sinalizado por um apertão no seu braço, ou então por um leve e breve pulo daqueles que só nossos reflexos sempre ativos sabem como agir. Era exatamente nesse tipo de atitude que se vista por cima, parece tão insignificante, que eu logo percebia que não estava só: você me abraçava no mesmo instante em que eu queria me mostrar resistente.
     E quando a chuva cessava dando lugar aos raios do sol ainda tímidos após a dominância das infindáveis gotículas, nós também estávamos ali. Você com os meus óculos de sol, não me fez pensar como seriam os dias após o fim dessa temporada de aventuras que eu jamais imaginara viver em um futuro tão próximo para a época. Não sem aquele olhar sério e quase fechado que fazia franzir a testa; típico de quem se incomoda com a claridade assim que acorda, para depois, acostumado com a idéia de viver o dia, lançar o mesmo sorriso matinal que é só seu e por certo tempo me acordou mais feliz.
     Com essa rotina mais do que graciosa para quem nunca tinha vivido com alguém de maneira tão intrínseca, eu me acostumei, e ainda hoje, depois de tantas mudanças e reviravoltas nessa história que um dia já foi tão terna, comigo ela ainda convive. Assim como a chuva que por quase todos os dias se mostrou presente em nossos momentos, e também agora enquanto os relato, tudo já passou. Foi-se com ela cada gota caída do céu e que hoje são minhas lágrimas.
     Choro sim e também lamento a falta de conexão entre tudo que poderia ter nos unido, mas pelo contrário, acabou nos afastando de tal forma que eu (não) aceito viver. No final das contas não deu, não era para ser comigo, e eu também não sei como seria caso tudo tivesse acontecido diferente. Declarações públicas de amor e delicadeza aliada ao pudor em certos assuntos, realmente não são e nunca foram com a nossa cara. A liberdade que sempre tivemos em nos envolver com outras pessoas já que nunca fomos ‘oficiais’, não encaixaria em um novo tipo de relacionamento mais restrito e de certa forma até mais respeitoso que nos déssemos.
     Acredito, então, que a solução seja deixar: o tempo passar e a vida acontecer. Cada um no seu canto, no seu ritmo e com as prioridades julgadas relevantes tanto na forma de pensar quanto na de sentir. Por mais clichê que pareça, aquele papo de “o que tiver que ser, será” é a maneira mais correta de se enxergar as peças que o destino nos prega. Afinal, se não fosse assim, dificilmente teríamos passado por tudo que já passamos. Conversas, beijos, sorrisos, pedidos de desculpas, arrepios, toques, olhares e tantas outras intenções subentendidas sempre ocasionais, mas por mim, também emocionais. Tudo foi embora e num paradoxo também ficou. Dessa marca, não tenho como me livrar e se é assim, hoje, cicatrizo-te.

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