sábado, 24 de dezembro de 2011

Em branco


     Então é Natal. E quando menos esperarmos, ano novo também – época de se refazer interior e exteriormente. Comprar um vestido branco pra ver se dessa vez ele traz mesmo a paz que garantia, calcinha e sutiã vermelhos pra não faltar amor no ano que se aproxima, pintar as unhas, retocar as raízes, deixar em dia a depilação e a hidratação no cabelo pros dias de festas e fazer a auto-estima tocar o céu. É dia de ver como o ano passou rápido, quantas pessoas diferentes passaram pela sua vida, somar o quanto você riu a todas as vezes que chorou, analisar o resultado final e avaliar o que valeu mesmo a pena. Se houve um superávit na conta das vivências, ótimo; no que depender de você, tudo tende a ser cada vez melhor a partir do dia seguinte, mas se um sinalzinho de menos vier logo á esquerda do fim dos cálculos, há motivos pra preocupação e a primeira reação a se tomar não é uma das mais inusitadas. Promessas de novas dietas, mais dedicação nos estudos, mais academia e menos doces, preferir os ouvidos a boca, temer menos e viver mais – entretanto, sem confiar tão cedo no cara que disse ter esperado por alguém como você por toda a vida, porque ele vai te mostrar seus reais interesses assim que você ensiná-lo o caminho que desabotoa o botão da sua calça e desfaz o laço da sua blusa – e no fim, o que vai acontecer é que muito provavelmente faltaremos com todas as juras feitas na hora de ouvir o estouro dos foguetes e a contagem regressiva pro ano que vem vindo novinho em folha, branco como um sulfite, que é pra escrevermos nele o roteiro já planejado antes do dia primeiro. Nada imprevisível.
     Eu, particularmente, não gosto desses dias finais do mês em que todos parecem se amar de um jeito nunca feito antes, ser solidários e irmãos de todos. E os outros onze do calendário não contam? Digam que sou insensível, ou que não dou valor aos meus queridos, enfim, pensem o que quiserem, porque a sensação de angústia que tenho sempre que se aproxima o dia vinte e os seguintes, não vai embora assim tão fácil. As lembranças que me acompanham nessa época não são as mais saudáveis e tudo me remete àquilo que se eu pudesse escolher, viveria apenas nos meus últimos suspiros em vida: conversas decisivas e derradeiras que me fizeram sofrer ao longo do próximo ano (inteiro), sustos e acidentes inesperados em casa, provas que superavam seus índices de chatice e cansaço a cada uma que era feita, e meu ânimo pra que algo de bom acontecesse escorrendo pelo ralo. De joelhos e mãos ao céu, agradeço. Acabou!
     Agora, com um passo a mais me lanço desse precipício – substantivo que encontrei pra encarar o ano que vem chegando ao fim – e dou de cara com o incerto, porque o roteiro vivido até então se despede: a menoridade, a vida programada, as pessoas esperadas diariamente, os compromissos sabidos pela tarde, o coletivismo em meio às aulas, e provas, e recuperações, e trotes, e piadas, e discórdias, e concorrências, e ensino médio. A vida agora é outra: faculdade, trabalho, novos horários, gente desconhecida, oportunidades inéditas, possíveis amores. Recomeço de cara limpa, peito aberto decidido a encarar o que vier e alma nova pedindo aos ponteiros quando tocarem o ponto mais alto do relógio, que formem uma barreira contra tudo o que a mim foi um empecilho nos últimos trezentos e sessenta e cinco dias, pois ainda que lá pra março ou abril tudo pareça ter voltado a ser como era antes, ainda não morreu em mim – e talvez em ninguém – a velha esperança de que no ano que vem as coisas serão melhores.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Vem!


     Hoje reservei minha madrugada pra ti. Tô aqui em plena sexta-feira a noite, começando às onze pra ser mais específica, teclando com os esmaltes descascados e uma dor no pé que não sei de onde veio, parecendo uma otária iludida por um cara como você. Mas antes de qualquer coisa, relaxa, porque essa ilusão já passou e faz tempo. Não vou te ligar perguntando onde você tá, nem se eu ainda vou te ver algum dia, porque agora eu sei que vou. Seu tipo eu já consigo reconhecer em qualquer outro de vinte e poucos anos que se aproxime de mim armado com meia dúzia de palavras educadas e um gosto impecável nas roupas que veste – fator que, por sinal, é meu ponto fraco. Estou alerta a essa espécie masculina que ataca e devora suas presas sem dó e de um jeito tão hipnotizante que, por mais imoral que possa ser visto por alguns, só me faz querer ser seu prato principal por mais uma, duas e quantas vezes forem preciso.
     Meu, tu é foda! E encare isso como uma qualidade das mais poderosas que um homem pode ter. Que me xinguem as feministas, mas tu é. Não tenho como negar e abaixo a cabeça, sim, pro teu jogo de sedução que ainda me faz cair de quatro, embora eu saiba exatamente como você vai tentar ganhar o pão do dia que, pela noite, será eu mesma sem ninguém que ameace seus esquemas das altas horas. Sei lá como posso tentar explicar o quão ‘fudido’ tu é, aliás, por estar em um dos mais altos patamares dessa categoria, provavelmente sabe melhor que eu da sua excelência. Ganha na marra, com um comportamento peculiar que eu prefiro nem imaginar quantas mulheres já somou em uma lista provavelmente feita alguma vez na vida (porque os homens têm necessidade da matemática nessas horas: números são mais relevantes do que intensidade – juro que ainda quero entender o motivo pra precisar de tanta diversidade). Bom pra você, e indiretamente pra mim também que sou beneficiada de acordo com as suas experiências adquiridas. E não me julguem, nem critiquem, nem repugnem, nem me abulam por eu parecer tão dependente e submissa de um corpo humano. Não o sou. Apenas jogo com as mesmas cartas que põem na minha mesa. E gosto. É algo parecido com aquilo que chamam de defesa pessoal em um tipo de luta que desconheço o nome, mas que no meu caso, têm primeiro e segundo bem conhecidos. Talvez por isso a necessidade de tantas precauções. Famoso e convidativo até pela maneira como trata uma mulher nas conversas mais cotidianas possíveis, é também perigoso e chamativo como aquelas placas que sinalizam obras nas ruas e pisos molhados, ou banners que noticiem a vacina contra um vírus perigoso – ambos com o intuito de prevenir qualquer eventualidade que possa implicar em algum acidente ou doença, graves ou não. De qualquer forma, a intenção é logo avisar os possíveis riscos para que compromissos posteriores não sejam de sua inteira (ir)responsabilidade. Se for assim, pode vir que eu já estou vacinada e meus anticorpus cumpriram seus devidos papéis; agora estou ilesa de qualquer contratempo. Então vem!
     Vem que eu quero outra vez te encontrar e dar aos nossos corpos tudo o que eles nos cobram com aquilo que só os próprios podem nos oferecer e nos satisfazer; portanto não temos escapatória, senão a união que é tão bela entre um homem e uma mulher – sem pudores, nem estranhamentos, nem qualquer tipo de receio. Vem que eu quero o que em você é nativo, e em mim é invejado por acompanharem-te a todos os lugares em que seus pés tão bonitinhos pisam, e suas pernas que parecem ter sido esculpidas por algum ser apaixonado que me fizesse apaixonada por elas também, caminhem, e seus dedos e suas mãos que me pegam com tanta firmeza antes de me deixarem toda mole, apalpe. Vem que eu quero também poder ver suas expressões nesse rosto tão lindo onde as combinações gênicas não falharam em um único detalhe sequer; de alegria, de preocupação, de prazer, de sono, de quem foi dominado pelo álcool ou por algum entorpecente que te fizesse sair de si por alguns minutos. Vem que eu quero sentir seus cheiros naturais, da sua pele mesmo, sem camuflá-los por trás de perfumes comercializados por pura vaidade. Do suor no fim do dia, do hálito provindo da cerveja e do cigarro que passaram pela sua boca, do cabelo que quando você acorda fica todo bagunçado e ainda não foram vítimas dos xampus, géis e sprays que burlam o aroma que é característica sua. Vem que eu quero sentir suas secreções pela minha pele, sua saliva umedecendo meu corpo já molhado pelo seu toque onde sou sensível, junto de qualquer sinal que seu corpo expila e me mostre o prazer que você sente naquela hora. Vem que eu quero sentir o gosto de você por inteiro. Teu sal, teu insosso, teu amargo, quero saber o sabor do teu veneno que me anestesia. Vem que eu quero protestar contra todos aqueles que não admitem a atração pelo íntimo do outro e rotulam como algo nojento, ou sujo, ou proibido essa vontade tão natural de quem quer se infiltrar de todas as maneiras cabíveis no corpo que te faz companhia nos melhores momentos da vida. Porque eles mentem e enganam o próprio querer: do tato, do contato, da sensibilidade de tocar e ser tocado, corrompidos por uma sociedade preconceituosa e antiquada de mentes pequenas que, ainda no século vinte e um, tentam maquiar uma realidade que é bela por si só – nua. Vem, porque não existe sujeira onde a química reina mesmo que pela carne, e porque se nada do que digo fosse tão instintivo e natural o quanto de fato é, a humanidade não existiria. Então, vem que a gente mostra a todos eles que pecado é deixar de viver os melhores presentes que podemos proporcionar uns aos outros, a quem desejamos com tanta intensidade, por toda a vida e quantas vezes quisermos. Vem!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O processo do desamor

Capítulo I: A nostalgia e a certeza do meu amor.


     É que eu tenho vivido bastante tempo contigo por esses dias, sabe. Daí essa disposição para escrever o que me consome nesse exato momento: você. Não, ainda não tô louca e sei que nessas horas você deve tá aí, bem de frente a TV assistindo algum tipo de luta que te remeta aos seus tempos de também lutador, ou ainda encarando a tela do computador ouvindo alguma daquelas músicas que o seu gosto um tanto quanto peculiar repelia os que estavam em volta, porque as batidas escolhidas chegavam a ser irritantes. Enquanto isso eu fico daqui, a uma distância consideravelmente grande da sua casa que não conheci além do portão de entrada, e idem você o da minha. E comigo a chuva mais uma vez, aliás, é engraçado como ela insiste em chegar sempre que te sinto aqui, bem do meu lado. Algo a atrai e eu até gosto. Melancolia às vezes é bom. Tenho me sentido tão sozinha que ela provavelmente veio para ser minha melhor companhia em um fim de semana tão estagnado quanto anda a minha vida ultimamente. Assim tenho tempo para pensar e deixar que as lágrimas imitem o movimento das gotas lá fora e escorram sobre minha pele enquanto releio nosso passado que hoje é póstumo ao menos para ti. E é exatamente assim, por meio dessas letrinhas canhotas e redondas que sempre aparecem no papel quando você aflora em mim, que eu comprovo que te amo: passando meus olhos chorosos pelos relatos do meu pretérito perfeito que, escrito, testemunha meus últimos anos de devoção a você. E olha que eu nunca disse a ninguém um sentimento com tamanha propriedade: amor. Demorei a aceitar e às vezes ainda não sei compreendê-lo, mas tá aqui dentro e não duvido que ele tenha mesmo o nome que o dei, só não sei como descrever. Vai ver que é o tal do feeling: acontece, a gente sente, tem certeza e dispensa as demais provas – sentimentais ou científicas.


Capítulo II: A dependência e o sofrimento solitário.


     Eu tinha você como necessidade; e era de tanta coisa que me custou processar o que se passava nesse coração que foi tantas vezes atropelado pela loucura que é sentir amor. Primeiramente, quando minha razão ainda representava em mim alguma porcentagem considerável, era necessário esquecer – os cafés da manhã num horário de quase almoço, os risos porque algum amigo fizera graça, as tardes enjaulados dentro de casa porque a chuva não dava trégua – e por um ponto final no capítulo mais próximo desse romance nada romântico. Acabar de vez com o sofrimento. Em seguida, a necessidade era da carne, do tato, não importam as condições em que viessem. Depois necessitei absurdamente da sua palavra, sua resposta para o meu ‘boa noite’ que eu te dava com tanto afeto, e recebia de volta tão frígido, e também de um pouco mais de sensibilidade no seu olhar que tentava fugir do meu sempre que nos cruzávamos. Necessitei também da distância para me reencontrar e te organizar em mim antes que você me tomasse por inteiro. Cheguei tarde. Tão atrasada que já não me era possível fazer mais nada senão necessitar de apenas uma coisa a mais: compreender; que você estava feliz, que o nosso tempo não era esse, que eu deveria ao menos tentar ficar em paz mesmo que devagar e sem metade de mim, porque essa parte está(va) em suas mãos.


Capítulo III: A percepção da liberdade após o final infeliz.


     Mas acho que mudei. É, eu sei que deve ser difícil de acreditar e às vezes eu nem demonstre tal fato, mas confie: é verdade. Ao menos tenho tentado, eu juro. Não que meu amor tenha emagrecido, perdido medidas antes incalculáveis. Acho que ainda é cedo pra tanta radicalização, mas são minhas auto-consultas analíticas que têm surtido um efeito bem mais positivo do que as minhas expectativas. Amém. Minha cama é meu divã, e os fones nos ouvidos, o psicólogo. Sem mais nenhum artefato, dou início à sessão e chego a conclusões antes invisíveis, tamanha cegueira que me conduzia. E tem dado certo. Tanto que indico o medicamento receitado pela auto-análise. Apenas deixe-se, permita-se. Os dias virão e as novas pessoas também, ainda que a princípio seja somente pra cobrir um pouco do buraco que ficou vago no coração devido á partida alheia. Viver ao invés de esperar todos os dias por uma mensagem sua na minha caixa de e-mail, no celular, ou na internet, é a única solução pra fazer com que os meus dias passem menos arrastados e muito mais interessantes. Penso em mim, no que me faz bem da maneira que for. Vou à academia cuidar do corpo que é meu antes de mais ninguém, experimento roupas novas, faço as unhas, testo maquiagens inéditas, saio com as minhas amigas pra respirar e tentar encontrar uma saída desse túnel, o qual parece não ter luz no fim, converso sobre o que me propõem, e acima de tudo, escrevo. Sobre como estou, sobre minhas mudanças repentinas de idéia, humor e sentimentos, que inclusive, agora só me fazem pensar que quem perdeu, meu bem, não fui eu!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Agridoce


     Ficas tão bem de cinza. Já me acostumei a ver-te na cor que pareces tanto gostar, mas prefiro quando tiro a malha do teu peito e colo ele junto ao meu que tu também preferes nu. E eu não faço questão de relutar. Deixo que me mostre toda a habilidade em desabotoar o sutiã meia taça que visto e fico apenas a admirar tua vontade em tão logo me ter em ti – sem conversas, ensaios ou pseudo demonstrações sentimentais que bem sabemos inexistentes. Nossa conexão é completa. Da altura, dos beijos, do propósito. De qualquer forma, apenas nos encaixamos – em únicos, duplos ou triplos sentidos. E é bom assim. Prazeroso e engrandecedor pras minhas próprias experiências com o sexo (oposto). E te gosto, e te quero, e te desejo, e te imploro com meus olhos brilhosos e fixos ao teu olhar castanho claro, esmagador dos meus flertes pelo auxílio das sobrancelhas delineadas que desarmam meu menor sinal de timidez ameaçador em se exaltar. Assim me dominas. Estou inerte. Sou submissa. Apenas sigo teus comandos. E se rebato é pra que sintas também a minha vontade de te ter, e te beijar, e te apertar, e te morder, e te arranhar, e te lamber, e tu gozar, e eu te soltar, e me conter, e tu adormecer.
     Tu ficaste ali. Parado e imóvel a alguns poucos centímetros distante de mim, desmaiado num sono dos mais profundos que já vi até hoje. Não se incomodava nem mesmo com a falta do travesseiro que certamente poderia dar-te um pouco mais de conforto depois das horas trabalhadas. Se virava como podia por entre o edredom branco enrolado pelo corpo e, deitado de lado, dormia como um anjo. E que vontade de abraçar, de acolher em meus braços todos os pedaços teus que coubessem em mim. Encaixar tuas costas lisas nos meus seios que acabavam de ser só teus, usar minhas mãos e minhas unhas compridas que tocaram todos os pontos da tua pele só pra acariciar-te e fazê-las viajarem por teus braços cicatrizados, sentindo ao mesmo tempo os teus músculos que por ali são tão palpáveis. Passar meus lábios sedentos pela tua temperatura que a mim é tão necessária, por entre os espaços mais escondidos e íntimos de ti, e minha língua pela tua orelha, pelas tuas coxas, por teu peito, tua barriga; sentir todo o teu gosto e deixar-te arrepiado com um desejo imenso de me fazer sentir prazer outra vez. Bagunçar um pouquinho da tua louridão ainda embutida na pele inteira bronzeada, através da minha força em puxar os teus pelos dourados e acompanhar meus olhos vidrados em ti até a outra extremidade do teu corpo maravilhoso, babando por uma pintinha tão delicada na lateral interior do pé esquerdo. Mas preferi ficar parada, tão estátua quanto a ti que só movimentava, a cada nova inspiração, os pulmões talvez até um pouco gastos pelo cigarro. Zelei teu dormir e, quieta, fiz uma retrospectiva de tudo o que fui sorteada a viver.
     Teu cheiro másculo depois de um banho que me fizera derreter em satisfação aromatizava o quarto e insaciava agora os meus pulmões que, nas respirações cada vez mais profundas, tentavam se expandir pra qualquer canto possível querendo que tu coubesses inteiro dentro de mim. Senti. Por dois ou três minutos, senti o perfume do teu corpo pregado no meu. Senti por uma noite o maior prazer que já me deste. Senti-me capaz de dar-te prazer e te fazer gozar da vida e na vida. Senti-me crescida, madura pela convivência contigo. Senti vontade de ir embora. E fui. Por hora sem querer voltar, porque ali estava tudo errado apesar da tua dedicação de sempre em ser perfeito. Tu não fora nem de longe o homem do qual eu precisava, ainda mais sabendo do suposto ‘perigo’ que poderia encontrar no meio do teu trajeto de me levar até o quarto – embora essas preliminares de mera apresentação jamais tenham sido parte do nosso roteiro habitualmente carnal. E talvez por isso é que teve tanta pressa de mim. Insegurança. Seria? Cogitei. Sobretudo, naquele momento era a minha necessidade: ter motivos pra ficar e não querer sair correndo repentinamente atrás da voz que eu, aflita e presa entre quatro desconhecidas paredes, podia escutar com tanta nitidez do outro lado da janela branca. Chorei. Saí e te quis fora do meu corpo, da minha cabeça e de qualquer resquício meu quando dali eu partisse. Falhei. Venceste. Viajaste comigo por toda a estrada de volta à vida rotineira em cada flash rememorado com afinco. Na verdade ainda estás aqui, porque adocico cada partícula da nossa fusão sempre surpresa. Não te odeio nem mesmo se motivos para isso eu tivesse, e talvez tenha, mas não. No que depender de mim, tua paz e teu bem serão por todos os dias teus fiéis escudeiros e te protegerão das insanidades que às vezes cometes sabe-se lá o porquê. De tudo que me possa ser oferecido, só quero o de sempre: a maneira como me conheces e bem sabes administrar. Sem mais açúcar nos dizeres ou limão nos afazeres. Agridoce. Assim os dois opostos são bem mais atraentes. E nós dois também.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Meu decreto ao desapego


     Só vim pra avisar que não é por inteiro – ainda – mas acho que estou te dizendo adeus. Comemore. Solte foguetes. Dê uma festa, porque daqui eu pretendo fazer o mesmo. E não se preocupe; já me dei o trabalho de organizar tudo o que a mim é necessário: dei fim no seu álbum que fui fazendo a cada nova foto vista, não suo frio mais quando você chega, nem fico com a boca seca quando me cumprimenta, não sinto mais o coração pular quando te vejo depois de semanas de abstinência, e já nem tenho mais tanta convicção sobre aquilo que chegou a ser absoluto.
     Sei lá o que é que aconteceu, mas perdi. Primeiro você, depois o encanto que me fez louca por ti durante esse tempo todo. Meu cansaço por ter trabalhado tanto em vão, talvez seja uma justificativa no mínimo plausível para a ocasião. E que os anjos, e os deuses, e os astros em coro digam amém. E que o universo conspire a favor, e que os ventos soprem pra essa nova direção cada vez com mais velocidade, e que nada me traga a vontade de voltar.
     O amor fica, mas se transforma. O desejo de ser fiel, amar-te e respeitar-te na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, por todos os dias das nossas vidas, agora vem a ser apenas recordação: do meu primeiro toque, do meu primeiro gosto, da minha primeira sensação de tesão, e sobretudo, do meu primeiro amor. Ficam também suas lições que na marra tive de tentar decifrar e aprender. Parabenizo-te pela complexidade que comporta.
     Assino embaixo do teu acordo que já fora tantas vezes a mim proposto e desacorrento-me de ti. Tento. Com fé e vontade. No fim das contas acho que saquei que a gente não combina mesmo, sabe. É visível que não concordo com seus vários momentos grosseiros e nem você com os meus muitos liberais. Deixa como está, que assim não volta. E que prevaleçam as coisas boas que realmente valeram a pena. “Tudo vale a pena se a alma não é pequena.”

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Na memória do coração


     Você agora é um problema meu. Não mais nosso, porque isso que vivo só, já não cabe a mais ninguém. Talvez nem a você mesmo. Evito falar de ti até para as minhas amigas, porque sei que essas dores de amor são os assuntos mais insuportáveis de se ouvir, e elas não merecem viver comigo esse martírio que inventei. Você só existe pra mim. Quando eu tô sozinha no meu quarto e uma foto de nós dois no meu mural se reflete no espelho pregado na parede. E também quando tocam nos rádios ou no meu celular todas aquelas músicas que nos acordavam às duas da tarde. Ás vezes até torço pra não te encontrar nos lugares onde isso é fácil de acontecer, porque o modo como nos trataríamos, seria ainda mais doloroso para ser presenciado outra vez. Estranho, né? Só não mais do que nós hoje em dia. Por isso prefiro ainda filtrar em mim apenas o que foi positivo e não desacreditar da sua beleza física e mental. Espero que não, mas já pensei estar platonizando essa história, tamanho vício que sustento. Todavia, se for isso mesmo o que acontece, eu o faço de maneira extremamente carinhosa e paciente. Um dia a gente se encontra por aí e tira a prova do que será, ou não. Você sem nada que te prenda ou te ponha em dúvida quanto a nossa suposta caminhada, mas dessa vez, juntos, e eu como sempre estive: a sua disposição. Acho que tudo conspira mesmo é para isso, que nos esperemos e tenhamos em mãos a maturidade que já nos fora escapada. Esperar, por mais angustiante que seja, também é bom. Faz nascer na alma a consciência e, mais uma vez, o amadurecimento de tudo que existiu de maneira errada por ter sido impensada, e nos traz de volta a chance de reconstruir de um jeito mais adulto e sensato o que ainda pode ser. Eu, que sou viciada no filme que vive uma história de amor interrompida por um naufrágio, concordo plenamente com a frase final que a protagonista sobrevivente deixa sobre seu amado: “He exists now only in my memory.” E não se preocupe, aqui você estará salvo, sempre!

O que os olhos não veem, a imaginação envenena


     Gosto de beber cerveja e não faço mudas as minhas gargalhadas; muito pelo contrário, deixo que elas saiam livremente pela minha boca e mostrem a todos a alegria que me domina, mesmo que essa seja apenas do momento. Adoro delineador nos olhos e mais ainda um batom vermelho vivo nos lábios, mas sei que os acessórios não combinam na mesma ocasião. Tenho as pernas grossas e gosto delas assim, por isso não é difícil me verem usando um short jeans, ou uma saia acima do joelho. Se o assunto é salto alto, também estou por dentro. Não os recuso mesmo quando meus pés estilhaçados pelo número quinze tentam me obrigar a descer. Prefiro preto a branco e vermelho a rosa – e isso minhas unhas quando pintadas podem mostrar. E já quiseram uma resposta direta e certa acerca do sutiã que visto. Ignoro. E sabe qual é o problema em não ligar por uma fração de segundos sequer para aquilo que as outras bocas dizem de maneira quase sempre pejorativa todas as vezes que se deparam com alguma dessas preferências que a mim são peculiares? Eles – que no plural também se refere a elas – se confundem. Pareço até um catálogo do qual você pode escolher a dedo o suposto erro que mais, ou melhor, que menos lhe agradar e a partir daí apertar com o maior gosto e a força de mais alta potência que lhes couberem, o botão cuja função é apedrejar.
     Se bebo, sou vulgar. Se meu batom é vermelho, sou puta. Se o short estiver um palmo acima do joelho, sou piriguete. Se rio em alto e bom tom, sou exagerada. Estou mesmo por trás de todas as peças que descrevi e assino embaixo quanto a minha ciência em usá-las, bem como o vocabulário que exponho, as músicas as quais ouço, as idéias que defendo e as pessoas com quem ando. Porém, quem vê apenas um metro e sessenta de altura, cabelos longos, peitos e pernas, desconhece um mar de tantas outras virtudes. Jamais quis ser eleita a menina pra casar, até porque tal demonstração de compromisso nunca foi meu sonho de consumo. Falo gírias que geralmente são usadas com maior freqüência pelos homens e às vezes até ajo como um. Não faço cerimônias para sentar no chão, e nem mesmo pra xingar se meu humor por hora exige, e também converso abertamente sobre drogas e sexo. Acho que até o momento nenhum homem se candidataria, certo?! Provavelmente. E os motivos, alguém pode me dar? Não, não precisa; são mais do que óbvios. Eu simplesmente não seria a preferida dos raros que hoje se dispõem a colocar uma aliança na mão esquerda antes dos trinta e cinco, por acreditar que não saberia me colocar em um segundo plano na vida do talvez (sim, a crença na fidelidade do outro é apenas uma possibilidade já que o caminho do anelar esquerdo ao bolso da calça jeans não é nada distante) recém-encoleirado, porque antes viriam os domingos de futebol: o amador no campinho da cidade e o profissional na televisão. Também preferiria estar em um salão de beleza cuidando do que é meu ao invés de ganhar como nova profissão o cargo de secretéria-por-vinte-e-quatro-horas-do-marido, sempre pronta pra cozinhar o prato que mais lhe agrada, lavar, passar e engomar as roupas como ele prefere e não me esquecer de deixar separada do lado de fora do armário a camisa que no dia seguinte ele usaria. “E as crianças?” Desculpa, mas acho que perdi alguma parte do raciocínio porque não me lembro delas. Espero não ser castigada, mas tá aí um objetivo que vive completamente fora dos meus até o momento: filhos. Dão trabalho, sim, e pensando bem, já existem tantos que sofrem nesse mundo, pra que então colaborar com tal calamidade? Não que eu poria em vida um descendente meu em genes e semelhanças para sofrer, mas a vida por si só cumpriria com o que eu como mãe tentaria ao máximo evitar. Melhor então pensar em outras coisas. Um casamento provisório, quem sabe. Há tantos que hoje utilizam tal contrato, e fazem com que as dores de cabeça sejam consideravelmente reduzidas. A gente segue como tudo manda: trocamos os anéis que juram ser fiéis, amar e respeitar um ao outro por toda a vida e assinamos os papéis, e quando o prazo de validade se esgotasse, veríamos o que deveria ser feito: prosseguir ou interferir. É uma proposta tentadora, um caso a se pensar.
     Sei bem que meu pensamento um tanto quanto moderno possa interferir na imagem que passo. Desinteressada pra uns, desvalorizada pra outros, desleixada pra todos. Não digo fisicamente, porque sei bem e gosto de me cuidar com todas as feminilidades que tenho direito, mas talvez o que julgam pode ser moral e eu agora tenho que pagar por algum erro cometido no passado. O preço cobrado é às vezes elevado, mas não reclamo porque sei que deve ser necessário. Só penso que aqueles que desconhecem o que está por dentro daquilo que só é visto de fora, devem se auto-regular e no mínimo ter a razão do que pregam com tanta convicção. Provem-me que não valho a pena e eu, então, me calo.
     Não venho diante dessa espécie de desabafo, promover minhas boas qualidades a qualquer um que esteja de bobeira por aí. Mas é que esse papo de ouvir de outros o que talvez já fora distorcido por inteiro, principalmente quando o assunto me diz respeito, cansa, sabe, e tira precocemente da gente a credibilidade que deveria a mim ser creditada, porque sou mais do que as noites alcoólicas, a maquiagem borrada e a companhia de alguém por uma só vez. E quem não é, ou nunca foi? Não conheço, pois por mais visão de futuro, moral e bons costumes que qualquer pessoa tenha, são imprescindíveis os momentos de fuga: da sociedade e das mesquinharias que ela nos impõe, e dos pensamentos curtos dos outros que por falta de preocupação com o próprio viver, atenta-se ao do próximo que anda em paz com as próprias condutas.
     Basta apenas ter a mente independente o suficiente a ponto de ser dono dos próprios desejos. Bebo quando quero, visto o que gosto, amo ao meu modo, e isso eu sei bem fazer. Despreocupem-se então, se me virem andando pelas ruas próxima a uma ponte: não vou pular; nem mesmo para o seu (des)prazer. E fiquem tranqüilos, pois as conseqüências que mais tarde me serão atribuídas por tudo que vivo, já têm minha total consciência, dispenso as recomendações onde as malícias transbordam, pois sei bem o que de melhor devo fazer por mim e para mim. Obrigada!

domingo, 6 de novembro de 2011

O tal do primeiro amor


     Quem é esse que tem nome, sobrenome e um histórico de crimes assustadores na vida da sua vítima mais freqüente? Se souberem, por favor, me dêem o endereço completo de onde ele reside, porque a penalidade atribuída ao infrator não será simbólica. Caso tivéssemos em mãos o poder de conter as loucuras desse ser com identidade, muita dor de cabeça poderia ter sido poupada a todos, que – ironicamente –são reféns de um fugitivo, e apenas mais um dos que já provaram o sabor que pode ser considerado no mínimo estranho para quem era virgem de tal sentimento. É estranho, porque contesta tantos postulados antigamente defendidos por unhas e dentes até que o ousado da vez chegasse. Não sei quanto aos demais, mas a mim isso incomoda, e muito, pois foi dessa maneira que me vi gradativamente perdida na pior das hipóteses de mim mesma, e dei a ele a grande parcela que abdiquei dos meus princípios em troca de quase nada. E foi irreversível.
     Com a convivência, só ou não, é chegado um ponto em que já não é preciso contratar detetives e nem clamar por advogados, policiais ou qualquer uma das forças superiores para que seja desvendada a situação. Deixe-se apenas sentir e verá que aquilo é novo, único e inesquecível apesar dos ferimentos que o invasor possa ter deixado como pista de sua passagem. E que podem se passar os anos, as gerações, e outros de afeto similar – mas nunca igual – ao pioneiro, porque ainda assim ele resistirá às fotos batidas prestes a se decompor, às cartas de papel gasto por tantas vezes serem lidas e molhadas devido á companhia das lágrimas e aos aromas que não se perderam nem com a distância do tempo, porque a memória resgata cada partícula do que foi vivido. E então, pela primeira vez você reconhecerá o mais novo habitante do seu mundo paralelo a esse tão mal organizado em que vivemos. Em uma oração simples, a qual deveria te livrar de todo o mal, amém, o sujeito composto por mil e um caprichos anuncia assim como quem não quer nada além de você por inteira: “Prazer, sou seu primeiro amor!”
     Já adianto àqueles que, assim como eu, são passageiros de primeira viagem dessa aventura: ele é complicado. Tem suas próprias vontades e bate firme o pé no que deseja mesmo quando a razão, que deveria ser superior a todas as insanidades que o primogênito comete, impõe suas ordens. E ele te fará quebrar a cara também; não há do que duvidar. Além de te fazer masoquista, pois ainda que seja nítido o seu sofrimento e o choro, não deixará que você perceba em outro par de olhos a solução para o encontro solitário de todas as noites com a cama, que não tem outros pés com ou sem meias para brincar enquanto o sono não vem.
     Mas também vem para o bem, e junto das trágicas noites mal dormidas e muito bem choradas, te ensinará a crescer. Por dentro, a inocência que exterminou sem dó o que era pura integridade, se transforma e faz nascer uma outra mente, que dessa vez vem multiplicadamente paciente.
     Dos benefícios, o maior: saber que ele existe. Ainda que turbulento e de difícil encontro (definitivo) com a realidade, é bom poder acreditar que alguém conseguiu despertar num coração que acabou sendo corrompido por pura revolta e falta de compromisso – consigo e com o outro –, aquilo que até hoje é o que de mais bonito conheci. E quando os dois derem de topa por aí na esquina de casa ou num bar da cidade, o desbravador que conseguiu nela a proeza do amor, merecerá ser homenageado com Oscars, foguetes e medalhas áureas e maciças. E ela, com beijos na testa, abraços de despedida, cócegas na barriga e, enfim, a retribuição da primeira e até hoje única plenitude que nunca lhe foi sem sentido e em hipótese alguma, desacreditada.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Escrevo, logo existo


     Se pensar é logo existir, quase faço as de Descartes minhas próprias palavras. Ao trocar o verbo, me reflito em um pensamento parecido com o do filósofo, pois quando escrevo é que existo. Não sei ao certo o dia em que nasceu em mim essa necessidade absurda de ter que colocar num papel todos os meus pensamentos às vezes tão transitórios, talvez de difícil compreensão e raramente constantes. Provavelmente há uns cinco ou seis anos, e o motivo era comum: paixonites nada mais do que platônicas. Mas de qualquer forma, só sei que preciso. Tomei gosto pela coisa e sempre que vejo o desespero, a melancolia, a felicidade ou qualquer outro sentimento dar sinal de vida nesse corpo que carrego, é frente às linhas ou ao teclado que me refugio confortavelmente.
     Antes de tudo, para mim. É este o destinatário final e primordial de todos os escritos. Estou á frente de qualquer alvo que pareço desejar atingir todas as vezes que transponho em palavras aquilo que minha garganta falha ao tentar dizer e minha boca teme balbuciar. Sou um tanto quanto problemática quando o dever é por para fora tudo o que se pensa e sente, a fim de solucionar possíveis desentendimentos. Não sai, e tentativas não me faltaram para chegar a tal conclusão. Embaraço-me nas ideias tumultuadas dentro da cabeça e acabo por piorar ainda mais a situação que às vezes chega a ser de estado de alerta, tamanha a necessidade do esclarecimento. Por isso, àqueles que já foram transcritos por mim, peço que não se sintam invadidos, porque, embora a suposta exposição possa ser sua, a necessidade é inteiramente minha.
     Vejo que esse texto está mais para uma justificativa das palavras que compartilho, porque há quem tenha uma imagem pejorativa do que coloco aqui, e faz-se valer de comentários infames quando – sei lá porque, já que não gostam daquilo que se deparam – dão o ar da graça ao blog. Tem quem zombe, quem ignore, quem critique sem meros fundamentos e pense que tenho a prepotência suficiente para querer ser a nova Clarice Lispector, já que também escrevo de maneira introspectiva como bem fazia a poetisa. Digo a esses que não! Que nunca tive como objetivo alfinetar alguém enquanto deponho minha vida e menos ainda em me fazer sentir digna de receber a dó de quem me lê. Se hoje prevaleço diante dos fatos que vejo relevantes e merecedores de narrações, é porque sei que os escolhidos para meus relatos terão do outro lado alguém que os acolha, pois enquanto alguns menosprezam, outros elogiam e fazem com que assim eu me sinta ainda mais motivada a continuar: pelo meu próprio bem.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Hoje, nada mais que devaneios


     O que eu queria é saber por onde anda você às dezessete e dezenove da tarde, exatamente agora, enquanto estou aqui mexendo nos meus cabelos como o de costume que faço ao mesmo tempo em que escrevo. Você eu não sei o que faz, mas queria. E como. Queria poder estar na sua casa assim que você chegasse, e saber o que é que aconteceu durante o seu dia, e lá, te oferecer toda recompensa das suas horas cansativas. Massagear seus pés que acho tão bonitinhos, e te fazer carinho bagunçando seus fios curtos quando você se deitasse no meu colo, e me contasse empolgado sobre as suas conquistas que me deixariam ainda mais orgulhosa de você rente a mim, ou então dos obstáculos para consegui-las, me dando assim a oportunidade de te motivar a não desistir. E quando eu me levantasse do sofá que pareceria ter um ímã me puxando de volta às almofadas para que eu não saísse em momento algum de perto de você, prepararia uma bebida acompanhada de alguma coisa prática e instantânea para comermos, porque cozinhar nunca foi meu dom maior. E se você quisesse assistir um filme, por mim tudo bem. Não ligo, até porque eu não prestaria o mínimo de atenção nas cenas de aventura ou ação, as quais você provavelmente escolheria. Preferiria mesmo é continuar ostentando sua cabeça sempre tão pensativa sobre as minhas pernas, e perder meus dedos entre os seus cabelos, até que você se entregasse ao sono e me deixasse ver mais uma vez os seus olhos que, quando fechados, transparecem a sensibilidade escondida por trás de tanta resistência a tudo; e nesse momento, por esse simples fato de manter fechadas as pálpebras, confirmaria todas as qualidades que vejo em você apenas te observando dormente, aquelas que eles tentam me colocar em dúvida se você é ou não merecedor de tamanha admiração. Então, quando a chuva começasse a cair e os primeiros pingos fossem desenhados nos vidros da janela que estaria próxima á nós dois, deixaria que meu abraço te aquecesse e te fizesse querer estar ali por todos os dias, confortável e amado. E depois, quando você acordasse do sono que te deu paz por alguns longos minutos, quereria apenas que me retribuísse com um beijo macio todo o amor que lhe tem sido dado há tanto tempo. Ao chegar a hora da despedida, adiaria o máximo que me fosse possível fazê-la. Fingiria um cochilo quando o ponteiro menor do relógio se aproximasse do meu tempo limite junto a ti, mesmo que minha posição para pegar no sono de maneira tão fácil não fosse uma das mais confortáveis, tampouco convencíveis. E por ali eu ficaria: falseando o meu dormir e sentindo sua respiração soprar a ponta de alguns fios dos meus cabelos, até que notassem minha ausência e meu celular vibrasse, porque eu não quereria te incomodar com nenhum barulho, senão o do meu peito palpitando a satisfação do momento. Aí então, não teria mais como evitar a partida. E seria me levantando vagarosamente do sofá que me presenteou com tanta magia em simples gestos, que eu deixaria em você não mais o meu nariz roçando sobre o seu e nem meus olhos que te encararam fixamente sem nenhum descanso. Como lembrança, ficaria contigo nada mais que o meu cheiro e em troca levaria comigo o seu, para que sozinha no trajeto até a minha casa, você pudesse me acompanhar não mais em cinco, mas ao menos em um dos meus sentidos, para que quando nos deitássemos novamente, por vez eu sem seus braços e seu peito me servindo de travesseiro, e você sem esse cobertor ambulante que eu seria sobre seu corpo me negando a desaquecer tanto amor, voltássemos a nos encontrar, porque ainda teríamos um ao outro por toda a noite: agora nos nossos sonhos.

sábado, 29 de outubro de 2011

O sentimento do lado que ficou


     A matemática nunca foi nossa prioridade. Dito isso, esqueçam qualquer tipo de cálculo nas nossas conversas, senão aqueles que contavam os dias para o próximo feriado e tudo mais que precisaríamos para organizá-lo. No canto esquerdo da sala de aula, bem rente á porta (talvez, inconscientemente isso significasse a nossa vontade de logo ir embora dali) era onde tudo se passava. Desde os desabafos mais sérios e aflitos, às besteiras das quais ríamos sem que ninguém além de nós duas pudesse entender tamanha histeria transparecida em gargalhadas.
     Não só ríamos como também chorávamos de tanto fazê-lo. Tanta alegria chegava até a repelir alguns – professores na maioria dos casos – que certamente prefeririam nos ver bem do lado oposto da porta azul que nos tangenciava, ou então a contagiar outros que se embalavam nas nossas risadas de alto e bom tom. Amando-a ou não, o fato é exclusivamente um: ela faz falta, e sei que posso dizer isso com toda propriedade e convicção que me couber.
     A princípio tudo era um acontecimento longínquo, distante da rotina dos dias entediantes até; mas quando menos nos demos conta, tão logo chegou. Acho que só percebi que realmente uma hora não haveria mais como adiar tal partida, quando na virada do ano, nosso abraço foi mais forte e eloqüente do que qualquer outro nesses anos todos em que estivemos juntas, mesmo sem ter dito uma só palavra. Ainda me lembro dos seus olhos transbordando lágrimas, as quais provavelmente exprimiam certo aperto e muitas dúvidas no coração quanto á esse novo desafio posto em sua vida.
     A ousadia que é parte integrante da sua personalidade forte e convicta do que faz e pensa, chega a me surpreender. Prova disso era quando até aos professores conseguia enganar em busca de pontos, reconhecimento ou mérito, mesmo que merecedora honesta dos mesmos ela não fosse. Eu, como o melhor que sei fazer, apenas ria. Por ser assim, sem medo de cara feia – contrariamente a mim que não gosto de estar mal com os outros, ainda que sozinha eu esteja – me mostrou um lado da vida que eu preferia não desenvolver: o de se impor, mostrar-se com razão em todas as discussões que assume liderança, mesmo que lá no fundo soubesse que não era de inteiro sua certeza. Teimosa como poucos, me irrita sempre que tenho certeza do que ponho em jogo, e ela por não ter a mínima vontade de voltar atrás e dar o braço a torcer, insistia em discordar. Eu, que ainda assim tentava convencê-la, quando conseguia, recebia de resposta um riso malandro acompanhado de alguma coisa como “Você só ganhou seu orgulho me mostrando isso.” E então, mais uma vez eu caía no riso embasbacado por tamanha lábia e o famoso jeitinho de saber conduzir tudo e todos.
     Quando digo que meus dias não são mais os mesmos, porque já não choro mais diariamente de tanto rir, não minto; e quem estiver por perto pode confirmar. Nós que nunca quisemos tirar nota dez, ou rabiscar na testa o primeiro lugar de uma vaga na faculdade, vivemos intensamente três anos de pura adrenalina, a qual caminhava de mãos dadas ao ócio de um lado, e à preguiça do outro. “Tem prova sexta-feira? Na quinta a gente vê o que cai, então.” Se as redações eram cobradas, as respostas eram logo dadas “Mas eu já mandei no seu e-mail, Tatiana”. E assim vivíamos em oito aulas diárias, talvez necessárias sim, mas nenhuma fórmula que nelas foram passadas superava os outros valores que, de fato, nos faziam caminhar.
     A minha disposição e dedicação dentro da sala de aula, que nunca foi meu ambiente preferido nem quando juntas estávamos, agora já é praticamente invisível, porque sei que assim que eu me sentar às sete da manhã na mesma cadeira azul, não terei para quem colocar o meu fichário sobre a do lado e guardar um lugar para ela que quando chega, tão cedo reclama de ter que estar ali, mais uma vez. E também porque agora os fones de ouvido que em pensamento nos transportavam a outros lugares, são só meus, os dois. Sem contar ainda, da temida e também confidencial agendinha que marcava não só o quanto precisaríamos acertar nas próximas provas, mas também a lista e os demais cuidados necessários das vezes em que íamos ao rancho.
     As lembranças são as melhores possíveis, e a saudade, a de maior tamanho. É provisório, eu sei. E que ela vai voltar, é óbvio. Mas enquanto isso, os dias passam sim menos risonhos, porque até das implicâncias eu sinto falta: com o meu anel de golfinho, o meu brinco de “paz e amor”, e a minha impaciência para com os relacionamentos demasiadamente fixos – assunto que sempre nos fazia discordar. Um ano passa rápido, e bem sabemos disso, porque jamais imaginávamos que o terceiro e também último fosse tão rápido a nossa realidade. Desejo então, que ela logo venha, porque com um abraço caloroso, eu a espero!

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O que há entre o amor e a esperança


     Eu sei lá o que é que você botou em mim; se foi veneno nos meus olhos ou uma mordaça na minha boca ou um sossega-leão dentro do meu coração. Seja lá o que for, quero te dar meus sinceros parabéns por ter sido tão capaz de domar qualquer fração minha sem que fosse necessário da sua parte se preocupar com a mínima resistência do outro lado do campo da batalha: o meu. E funcionou. Sua tática que sempre vi como uma incógnita funcionou de tal maneira que às vezes chega a me irritar por conseguir fazer com que eu seja tão mais você do que eu mesma, quase á todo momento.
     Você me cansa, sabe. Sua contradição me enlouquece. Se me falasse de uma vez o que é que se passa nessa sua cabeça tão paradoxal, que sabe ser tão homem maduro quanto às decisões tomadas e tão moleque inconseqüente quanto às atitudes oferecidas, tudo se resolveria. Tão contraditório, busca em mim alguns momentos para fugir da sua – escolhida – realidade? É isso? Por acaso meu nome está aí em uma agenda qualquer largada em cima do seu criado que, mudo, consente tanto egoísmo e que você pega só quando quer dar uma aliviada na tensão dos dias? Acertei agora? Ou então, ainda te resta alguma coisa que eu deixei e que você se nega a aceitar por um motivo que nenhum de nós sabe? Desejo? Prazer? Ou vontade de me provocar para que eu aja e te favoreça, tomando o lugar da louca impulsiva que todos conhecem, enquanto você continua na zona de conforto que sempre foi seu trono, evitando qualquer tipo de culpa que certamente te deveria ser atribuída também? É isso o que mais me convence.
     Pois é, dúvidas são os únicos presentes que hoje você me dá, e são daquelas que chegam a confundir e se alastrar ainda mais no peito que já não tem mais para onde se expandir porque você tomou conta do todo. Tudo se discorda, e eu comigo mesma, principalmente. Se antes estava certa do que fazer, agora titubeio por me faltar coragem de por em prática meu egocentrismo porque deixo que mais uma vez entre em campo seu time muito bem estruturado: altura compatível á minha pequenez, sorriso largo e anestésico às minhas dores, mãos compridas e de total segurança.
     É de natureza – ou melhor, da astrologia – essa minha eterna indecisão: vermelho ou preto, saia ou shorts, salto alto ou rasteirinha. Te esperar ou de uma vez por todas te abandonar? Permaneço nessa instabilidade esperando que alguma luz apareça exclusivamente para me tirar dessa monotonia de você, mas tá difícil, tá difícil. Sábio que foi, Fernando Pessoa disse uma vez que “tudo o que chega, chega sempre por alguma razão” e sabe que é bem verdade? Junto de você, que quando veio causou um reboliço em uma vida que era toda programada, vi se aproximar, aos poucos, a falta: de mim. E ela deve ter seus motivos para me fazer aceitá-la tão assídua, e eu sei que realmente tem. Mas esse brinquedinho aqui dentro que adora – de segundos em segundos – dar suas batidas para que eu me lembre de quem manda mesmo no pedaço, faz questão de ir contra todas as morais e os bons costumes, os quais eu deveria tratar com extrema prioridade. E o resultado disso tudo você já conhece: eu por aqui; em meio às letras, às analogias, às vírgulas e aos tão esperados pontos finais que são sempre prolongados e metamorfoseiam-se em reticências.
     Talvez nossos destinos estejam mesmo apontados para lados opostos. Você com a razão e eu com a emoção, você pensando no futuro e eu vivendo o agora, eu querendo o próximo e você a distância que hoje se resume em basicamente nós. E talvez essa distância me sirva como um antídoto para a loucura que criei, e me faça colocar nos eixos todas as estruturas que de mim você roubou. Porque talvez o conto de fadas que me vi construindo em um tempo de pura idealização, tenha ido embora ao passo que viu chegar o bom senso e as ameaças da realidade. Virei doença, virei vício, quiçá engano. Alguma coisa que hoje, vencida pelo cansaço, me impossibilita de seguir navegando rumo á terra que a cada dia penso menos conhecer, é o que me estimula a partir em busca de novos trajetos. E se essa for mesmo a rota que a mim foi prescrita, que eu a aceite e não mais questione, pois mesmo que tudo pareça correr em sentidos contrários, vale lembrar que se os opostos, de fato se atraem, os caminhos traçados seguirão a mesma regra e, nessa esfera de água, terra, pessoas e tantas turbulências em que vivemos, pela lógica, um dia tudo há de se encontrar e de cara!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Quando se quer mudança


     Fico pensando nesses capítulos do livro ainda inacabado que é minha vida. Tanta coisa inesperada, jamais imaginada antes. De tudo um pouco. Teve surpresa, teve dor, teve riso, teve lágrima, aventura, desespero, paixão e despaixão, dúvida e a presença – que já pensei ser ilustre – do amor.
     Pode parecer um comentário pessimista, mas essa observação dada ao último sentimento ai em cima que por todos é visto como algo tão esplêndido, não tem minha inteira crença. Quando se dá a cara á tapa e se recebe a bofetada, não bastando em um, mas dos dois lados da face – já que costumeiramente o amor próprio não é ativado ao se enganar pela primeira vez – dá para perceber que nem tudo caminha como deveria.
     Ao meu ver, em primeiro lugar o amor deve ser recíproco. Vejo então o ponta pé inicial para um futuro desastre, já que desconheço outro que se encaixe nessas particularidades senão aquele amor de pai e mãe. A gente conhece, conversa, se envolve, beija, abraça, se abre e ai um mundo novo nasce. E o pior: quando tudo isso é unilateral. Só um sente, só um cede, só um se entrega, e no bom e claro português que bem conhecemos, só um se fode.
     Não digo por aqueles que encontram os amores de suas vidas e namoram, e se casam, e têm filhos, e netos e uma vida cheia daquelas rotinas apaixonadas que até hoje só vi em propagandas da televisão. Falo apenas por mim, que até hoje desacredito desse tipo de convívio assim, tão ideal.
     Não é que ele não exista, apenas não chegou até mim. Não é que ele tenha se perdido no meio do caminho, apenas não é hora de se apresentar. Não é que ele não virá, está apenas esperando o momento certo de eu entendê-lo. Não é que eu não o mereça, apenas não saberia lidar nesse momento. Não é que não terei, por hora apenas não o conheço. E é melhor assim.
     Dizem que o tempo sabe a melhor hora de por cada peça em seu devido lugar. Acredito e não tenho pressa, mas a hospitalidade para receber e comprovar a imensidão dessas quatro letrinhas bate á minha porta sempre que ares de renovação afetiva aparecem. É fato e talvez errado, pois assim se espera demais daqueles que provavelmente não têm muito a oferecer.
     Por mais uma vez, posso estar defendendo meu ponto de vista válido até o fim do dia ou da semana, tamanha inconstância que vivo, mas, passo a passo a mente vai descansando, as idéias clareando e o coração se abrindo novamente à vida, porque talvez, tanta devoção tenha sido em vão e ainda que eu tenha me convencido do contrário por tantos meses, acho que já tive provas suficientes de que sou mais do que me deixei ser. Abro os olhos e encho de ar os pulmões que me dão vida para respirar e continuar a trilha que me foi reservada. E se for para olhar para trás e rever o que ficou, que seja apenas para não mais repetir o erro que me prendeu a simplesmente nada!

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A companhia do inconsciente


     Me pego com um sorriso dando graça ao rosto e com os olhos brilhantes quando percebo meus pensamentos: você; e nossas conversas com nenhum ar de seriedade, compromisso, que dirá satisfação. A vida era leve, criança; fechava o riso apenas para por em prática a responsabilidade – restrita a nós – que vez ou outra aparecia e tinha nossa inteira aceitação. Era contrária a essa relação tão pesarosa que hoje (sequer) nos mantêm.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Tudo novo. De novo


     É bom, e como é. Só assim eu sei definir isso que pula radiante aqui dentro, pois não há palavras que expliquem o porquê de tanta satisfação. Pega de surpresa como fui, melhor ainda. Ver que restam pedaços de alguma coisa boa que passou, mesmo que com um tamanho quase invisível, é o que revitaliza algum tipo de crença no futuro, alimenta a alma, revigora a pele e abre de volta o sorriso sincero a estampar o rosto.
     Junto da primavera que há pouco chegou, floresce nessa estação a maior variedade de pétalas e cores que agora me representam. A paz – do espírito e da mente – por convenção vejo branca e a tranqüilidade recém chegada, traz consigo o azul que acalma. A alegria recebida é laranja, viva e calorosa, e o vermelho fica com todas as outras sensações sabidas por todos que passam por mim e reparam em meus olhos que distribuem brilho a quem quiser enxergar.
     Tem sido assim nesses últimos dias e rogo para que permaneça por um tempo indeterminado. Aos poucos, que é para não cansar, tampouco enjoar. Contendo a ansiedade, vou nessa de controlar meus próprios pensamentos para não me perder mais uma vez em um labirinto já conhecido de nome e vivência. E é difícil, pois quando se tem o menor conhecimento que seja, daquilo que se passa do outro lado, aumenta a sede de querer saber sempre mais: o que foi do final de semana e o que será da próxima já exaustiva devido a época do ano, o que tem pensado sobre os assuntos que são rotina nas bocas alheias, e sobre aqueles nem tão expostos assim, os quais verdadeiramente me interessam.
     Se me lembro do princípio, hoje vejo que progredi. Espero que não apenas devido à distância, mas também pela ajuda do reconhecimento e da aceitação que tiveram de descer a seco pela garganta que tantas vezes gritou por um único motivo. É da minha natureza esse jeito meio perdido de ser quando o assunto em questão tem tanta relevância, tal qual o que me refiro. Acertar e agradar são os únicos verbos que passam a existir em meus atos que, nesse tormento louco de querer sempre o melhor, se perdem e acabam tropeçando na correria que busca presentear alguém com a tão sonhada perfeição, mesmo sabendo que independente do esforço ou dedicação para com aquilo ou aquele que mais quero, ela em tempo algum existiu e nem está por vir.
     Vontades a parte, o importante é ter outra vez esse estado de bandeira branca erguida, trégua declarada. Vale reconhecer que por mais desajeitado que seja um aparente recomeço depois de um caminho turbulento e traumático, ele está de volta, e merece ser recebido e celebrado com brinde em taças de champagne, como bem fazemos na virada de todos os anos, que é para mais uma vez encher o coração de esperança, reabastecendo esse motor que pela estrada percorrida, nunca teve destino certo: a vida.
     E por falar em vida, ela ensina sim, e cobra o aprendizado das lições dadas também. Prova disso é a resistência exigida contra tudo o que menos se quer abster: o tato, a entrega; porque é preciso colocar em prática a outra face dessa grandiosidade sentida, se a vontade agora é de ser vista com outros olhos e outros valores. Tudo começa a partir daí, hoje eu sei. Sendo assim, uma porção de amor próprio e uma dose de respeito, por favor. E para acompanhar, trevos de quatro folhas, água benta, simpatias e o que mais puder fazer a sorte se sentir acolhida e motivada a lutar pela minha causa. Confio, e por isso espero no mesmo ritmo de sempre. Calma, calma!

domingo, 9 de outubro de 2011

Estado civil: Preguiçosa


     Parece um detector. Uma olhada em volta do ambiente, um reparo no salto ou na roupa da menina ali do canto, e nada de importante. Um cara atraente em meio a uma roda de amigos e “Hmm, que gracinha”. Os olhos captam e apitam as qualidades que nos agradam e os flertes começam. Olhares, sorrisos e enfim a aproximação. “Oi, tudo bem?” A partir daí, ninguém sabe até onde a conversa vai fluir. É instinto e não tem o que fazer. Sair com as amigas, rir e revezar assuntos sérios com todas as futilidades que temos em mente é bom sim, mas se surge no caminho uma possível companhia do sexo oposto, melhor ainda. Se o papo foi bom e os dois encontraram interesses em comum, provavelmente o encontro se estenderá e obviamente, o beijo vai acontecer.
     Passado o primeiro momento e o beijo dado, as coisas já não são mais como no princípio. O objetivo foi alcançado e o brinquedinho já não tem mais nenhuma surpresa. O que era fogo começa a esfriar e nessa fusão, a água prestes a virar gelo já é constante. Aquela história de que “figurinha repetida não completa álbum” ainda é o lema da vida de alguns cuecas que parecem fazer questão de retardar o próprio cérebro, tamanha babaquice que sustentam e que nós, mulheres, por vezes ainda nos deixamos levar mesmo sabendo até onde essa marmelada pode acabar. Sendo parte desse grupo feminino que já não deposita fé alguma em qualquer atitude surpreendentemente positiva provinda de qualquer barbado que seja, adentrei-me a um novo estado civil.
     Atualmente, se me perguntarem, respondo que estou preguiçosa. Isso mesmo, nem solteira, nem namorando e menos ainda casada. Essa instabilidade que hoje é tão fácil de se ver nos relacionamentos chega a me dar preguiça – de querer, de investir, ir atrás e se envolver, porque o resultado é sempre o mesmo: dedicação de mais e retribuição de menos. Educadas à moda antiga, necessitadas de palavras carinhosas e gestos cavalheiros que nos façam sentir requisitadas e queridas, criamos em nossas inocentes cabecinhas a imagem de um homem que, de fato, está em extinção. Não peço a ninguém que pague a minha conta ou então abra a porta do carro antes que eu entre ou saia do mesmo. Acho desnecessário. Mas homens, aqui vai uma dica: não folguem nessa gentileza feminina que poupa certos esforços da parte de vocês, para se apossar do comodismo que parece ter tomado conta da boa vontade de bem tratar as moçoilas. Palavras carinhosas – não digo melosas – elevam nosso ego e ainda fazem vocês ganharem alguns pontinhos com a gente, desde que ditas com verdade, é claro! Também são bons referenciais para se dar bem conosco a pontualidade, o compromisso com o que se diz e acima de qualquer coisa, a sinceridade. Muito mais me admira um cafajeste que logo de cara expõe o que verdadeiramente quer e pensa, do que o suposto bom moço que aos poucos mostra suas facetas nada condizentes com o que antes foi anunciado. Ah, e sem mais moralismos, por favor, porque o visual conta sim, e em certos casos acaba sendo determinante para uma primeira impressão, que (in)felizmente, meus caros, é a que fica. Portanto, capricho na apresentação, até porque não há como negar que a primeira atração é física, e que através de um simples beijo de cumprimentos, não somos capazes de adivinhar suas possíveis qualidades, concordam?!
     A falta de interesse em seduzir é grande e como o dito, a preguiça maior ainda. O que fazer? Jogar tudo ao alto e abstrair: as possibilidades fracassadas, os desapontamentos já ganhos, e também as súplicas por aquilo que após balancear os valores, nota-se que não vale a pena, porque existem mulheres demais para homens de menos. Menos caráter, menos educação, menos respeito e consequentemente, menos merecimento de estar ao lado de uma verdadeira amada – de carne, osso e curvas sim, mas também de cérebro, alma, potencial, capacidades às vezes surpreendentes e ainda, sentimentos. Não há muito que fazer e talvez nem seja preciso. O Universo conspira a favor, ainda que não no momento de maior necessidade. Paciência é a palavra chave para receber em troca todos os benefícios já sacrificados pela ansiedade de ter outros pés encostando os próprios em meio ao lençol bagunçado por inteiro na cama, essa espécie de cela que sela o casal. Deixe que floresça a vaidade, o bem estar consigo mesma. O amor próprio também sopra boas vibrações e acredite: ele é o único que nunca vai te trair.

sábado, 8 de outubro de 2011

Ao amor, a cicatriz


     Vem a chuva fina e fria, e com ela as lembranças. Boas ou ruins, são sempre companheiras inseparáveis das gotas que agora caem silenciosamente no chão, mas não na janela próxima a mim, e me fazem lembrar de outros momentos também cinzentos, entretanto, sem sinal algum da melancolia que hoje, aqui escrevendo, vivo enquanto retrato o que já se foi.
     Pelo aroma que ela traz, me aproximo de uma realidade já inexistente. Na falta dos outros quatro, o único sentido que me resta é sentir o cheiro similar àquela garoa que caía também nas venezianas do quarto no qual dormíamos. E era tão surreal que nunca me incomodava; pelo contrário, quando gotejava e a partir daí, começava a chegar com mais freqüência, eu apenas comemorava, pois assim tinha seus dedos por entre meus cabelos por mais tempo naquele ócio confortável de deitar e esperar o tempo passar sem ter que pensar em mais nada, senão na possibilidade de você sentir frio e eu então te abraçar para que isso logo pudesse passar.
     Quando não queríamos nos esconder, era embaixo dela mesma que eu mostrava toda a felicidade que vivia provisoriamente. Os beijos que te dava e com tanta simetria recebia de volta, independente do que houvesse por trás dessa troca (aparentemente) afetiva, eram ainda melhores quando acompanhados da pureza da água que naquele momento lavava qualquer má sorte moradora do meu corpo e também da mente. Abraçada a você, nosso calor era mais forte do que os ventos que tentavam me amedrontar. Prova disso era sempre que trovejava e as luzes se apagavam. Você se mostrava ali, presente e apto a me proteger e me mostrar que tudo estava bem quando notava meu susto sinalizado por um apertão no seu braço, ou então por um leve e breve pulo daqueles que só nossos reflexos sempre ativos sabem como agir. Era exatamente nesse tipo de atitude que se vista por cima, parece tão insignificante, que eu logo percebia que não estava só: você me abraçava no mesmo instante em que eu queria me mostrar resistente.
     E quando a chuva cessava dando lugar aos raios do sol ainda tímidos após a dominância das infindáveis gotículas, nós também estávamos ali. Você com os meus óculos de sol, não me fez pensar como seriam os dias após o fim dessa temporada de aventuras que eu jamais imaginara viver em um futuro tão próximo para a época. Não sem aquele olhar sério e quase fechado que fazia franzir a testa; típico de quem se incomoda com a claridade assim que acorda, para depois, acostumado com a idéia de viver o dia, lançar o mesmo sorriso matinal que é só seu e por certo tempo me acordou mais feliz.
     Com essa rotina mais do que graciosa para quem nunca tinha vivido com alguém de maneira tão intrínseca, eu me acostumei, e ainda hoje, depois de tantas mudanças e reviravoltas nessa história que um dia já foi tão terna, comigo ela ainda convive. Assim como a chuva que por quase todos os dias se mostrou presente em nossos momentos, e também agora enquanto os relato, tudo já passou. Foi-se com ela cada gota caída do céu e que hoje são minhas lágrimas.
     Choro sim e também lamento a falta de conexão entre tudo que poderia ter nos unido, mas pelo contrário, acabou nos afastando de tal forma que eu (não) aceito viver. No final das contas não deu, não era para ser comigo, e eu também não sei como seria caso tudo tivesse acontecido diferente. Declarações públicas de amor e delicadeza aliada ao pudor em certos assuntos, realmente não são e nunca foram com a nossa cara. A liberdade que sempre tivemos em nos envolver com outras pessoas já que nunca fomos ‘oficiais’, não encaixaria em um novo tipo de relacionamento mais restrito e de certa forma até mais respeitoso que nos déssemos.
     Acredito, então, que a solução seja deixar: o tempo passar e a vida acontecer. Cada um no seu canto, no seu ritmo e com as prioridades julgadas relevantes tanto na forma de pensar quanto na de sentir. Por mais clichê que pareça, aquele papo de “o que tiver que ser, será” é a maneira mais correta de se enxergar as peças que o destino nos prega. Afinal, se não fosse assim, dificilmente teríamos passado por tudo que já passamos. Conversas, beijos, sorrisos, pedidos de desculpas, arrepios, toques, olhares e tantas outras intenções subentendidas sempre ocasionais, mas por mim, também emocionais. Tudo foi embora e num paradoxo também ficou. Dessa marca, não tenho como me livrar e se é assim, hoje, cicatrizo-te.

domingo, 25 de setembro de 2011

Com surpresa, supre sua presa


     Melhor assim. Você finge que me adora e que não vê companhia melhor do que eu para não fechar a noite no zero a zero, enquanto eu finjo que acredito nas suas palavras que me colocam no mais alto dos pedestais (mas que na realidade têm o único intuito de me convencer que não tenho motivos para te negar) e que não há mulher na face da Terra que preferiria não ouvi-las. Negócio fechado! Conveniência aos dois. Até porque, seria o ápice da auto-confiança querer que eu ainda cresse piamente no seu papo politicamente correto e me deixasse engabelar outra vez por sua voz mais do que sedutora. E não é o que acontece. Quer dizer, é, mas não na proporção que, você, graduado e doutor na arte da conquista, pode um dia ter pensado conseguido já que caiu na própria armadilha – deu os passos maiores do que as próprias pernas e nessa tentativa equilibrista de ser, pôs abaixo o circo que me apresentou. Ou não, não sei bem o que pensar, mas talvez – e eu até acredito que realmente – tudo tenha sido de caso pensado, entretanto, admiravelmente, eu soube domar os meus anseios e devolver a importância recebida em igual quantia e valor.
     Burra eu não sou. Jamais deixaria então, que escapasse por entre meus dedos sua pele e seus cabelos áureos que – quando queremos – combinam tão bem com os meus que não têm uma cor ao certo definida. Toda vez que aparece inesperadamente e toma o lugar de tudo que durante sua vontade de estar foragido fora exterminado da minha cabeça, faz com que cada momento volte como um flash ou qualquer coisa de velocidade equivalente e me domina com destreza; fica em um segundo plano, então, todas as ocasiões, sugestões e oportunidades que me aguardariam caso eu te deixasse para depois. Mas não, você é preferência. E sabe de uma coisa? Eu não me importo. Nem com o seu sumiço sempre tão aparente e nem com o seu discurso exatamente no meu ponto fraco – entre a lateral do pescoço e o pé do ouvido – que, enlouquecedor, certamente é decorado silabicamente para, quem sabe, mais tarde ser recitado de novo a uma próxima vítima logo depois que nos aproximarmos do portão da minha casa e eu abrir a porta do seu carro com um pesar que tento fazer invisível, tentando me mostrar apática diante dos seus olhos que não me deixam ir embora sem antes fitar cada centímetro das minhas pernas à mostra na saia preta que tanto gosto.
     Apesar desse seu jeito malandro, gosto de você, mas não a ponto de apaixonada, deixar tudo para trás e viver em função do mistério que te mantém de pé. Gosto é dessa espécie de interrogação que vejo exposta nos seus dizeres, nas atitudes e expressões, e da incerteza que nos ronda, tornando inesperados, e talvez por isso, sempre marcantes os nossos encontros toda vida casuais. Me confunde quando menos espero. A pessoa que me faz sentir a escolhida para representar toda felicidade que esse mundo já viu, esvai-se e deixa apenas em minha cabeça um verdadeiro interrogatório que busca o porquê de tanta contradição. Não era preciso nada do que foi me mostrado, se a intenção final era apenas momentânea. Rio então, da sua tolice e desse tipo de atitude que apenas me faz te ver vazio, infelizmente.
     Ainda assim, como de costume na minha personalidade passiva, deixo pra lá todos os incômodos que me cutucam para que eu faça algo e ponha de uma vez por todas os pingos nos is. Fico com o confortável, e no banco do passageiro, lá pelas quatro ou cinco da manhã, assisto os seus olhos encarando os meus com um sorriso leve e intencionado no canto da boca que masca um chiclete de melancia – me fazendo gostar do sabor que até então pra mim nada mais era do que exótico e desconhecido – enquanto seus dedos deslizam até o botão do vidro elétrico que os fecha, e nesse movimento, me mostram sua tatuagem no braço que por mim é tão elogiada e que exibe sua fé, sua crença em alguém de força maior do que seu próprio ego sempre tão bem massageado.
     Simultaneamente aos vidros que sobem, o mesmo acontece com os meus pensamentos a essa altura já mirabolantes, que devaneiam em um plano nada terrestre, momentos de sentimentos mistos a partir dali. E assim vamos até que a euforia passe e voltem a contracenar os pensamentos agora centralizados, as ambas opiniões sobre qualquer assunto como seu trabalho, por exemplo, que você julga tão cansativo e cuja tensão do mesmo eu tento amenizar quando estamos juntos, até que o ciclo todo recomece em um dia que eu não sei quando e se virá. Me preparo então para mais uma vez me despedir de você – da maneira como descrevi – e dessa constante eventualidade que vivemos, com um lema em mente que exprime algo do tipo ‘sempre, mas agora pela última vez’.

sábado, 24 de setembro de 2011

Dezoito


     Ele está chegando. Em breve e ao mesmo tempo vagaroso como quem é arrastado por um tédio contagiante em meio às horas da semana, que quase sempre é cansativa e me faz ansiosa por seu fim. Mas vem constante, cada dia mais próximo e eu, sem outra alternativa que acelere o ponteiro dos relógios, o aguardo.
     É curioso e estimulante tentar entender essa vontade implantada na juventude em querer envelhecer – pelo menos enquanto os fios de cabelos não branqueiem, a pele não enrugue e a lei da gravidade não dê os sinais de sua indesejável presença colocando para baixo tudo o que no lugar de sempre deveria permanecer. Todavia, se tornou convenção desejar e receber calorosamente a tão sonhada maioridade. Talvez alguns passos que a partir do décimo oitavo ano de vida possam ser tomados sozinhos, expliquem tamanha euforia até a chegada da hora certa de assoprar as velinhas sobrepostas no bolo que, simbolicamente, representa mais um ciclo encerrado. Pura ilusão. Que é que pode mudar da véspera de aniversário ao dia de glória que, na realidade, te dá dois tapinhas nas costas e de presente, o comunicado que a partir dali, você já pode ir preso e, se homem for, terá de alistar-se ao exército logo menos? Não adianta esperar pelo dia em que nasceu, dezoito anos após chorar e respirar sozinho pela primeira vez para então rebelar-se e acreditar ser dono do próprio nariz e os outros que te respeitem. Olha, se você não tem uma renda que te dê sustentação completa, que te faça independente das roupas passadas e engomadas que a mamãe faz questão de colocar em seu armário, que te locomova do centro da cidade ao bairro onde mora sem ligar para o papai te buscar, e ainda não tenha como se alimentar sem alguém que te chame dizendo que a comida está sobre a mesa, sinto lhe informar, mas é mais do que recomendável que você abaixe a crista que na adolescência insiste em querer se destacar e, mais uma vez, submeta-se às vontades de quem realmente merece respeito.
     Não quero ser tachada de careta e com um ar pessimista, negar toda essa liberdade que – em partes – os dezoito anos trazem. Adolescente que também sou, sei bem como é ter de esperar a idade imposta pela constituição para poder usufruir de certas ocasiões, e dentre elas, a mais cobiçada, a carteira de motorista. Sair pelas ruas cidade a fora sobre quatro rodas quando o mundo parece estar desabando bem em cima de nossas cabeças e sentir-se livre da hora marcada para colocar os pés de volta em casa; perambular por entre as esquinas e avenidas com os vidros abertos, deixando que o vento bata nos cabelos e refresque a alma que agora se sente, literalmente, maior, são algumas das tão notáveis diferenças cotidianas que vêm com os anos. E por falar em notáveis, há também o outro lado da questão que antes nunca fora visto, mas agora confunde e bloqueia tantas idéias um dia já quistas na prática.
     Escolhas e responsabilidades, profissionais ou sentimentais, da vida. O curso do vestibular que direcionará aos anos futuros vivendo daquilo que foi escolhido e tanto batalhado para se conseguir, em meio à tortura que é decorar as fórmulas mais desconexas que a física exige, as datas históricas de guerras e revoltas ou ainda a conjugação correta de um verbo defectivo. Estudar, estudar (geralmente aquilo que nunca será preciso). Palavra tenebrosa para mim, que sou contra qualquer obrigatoriedade que se mostre desnecessária às minhas necessidades vitais – e quanto a isso, me refiro ao parêntese pouco acima. Pensamentos antes longínquos aproximam-se em uma progressão geométrica que assusta. É preciso trabalhar, amadurecer e dar início á vida independente, trilhada com as próprias pernas e desprender-me do ninho que foi criado para que um dia eu abandonasse.
     Cresci, ainda que duvidem de tal fato e a essa nova fase dada à minha vida, temo e desconfio. É como se eu estivesse diante de um penhasco, segura apenas por um pára-quedas que talvez simbolize minha crença em algo que me tranqüilize, sejam santos, deuses, superstições, ou apenas a simpatia otimista pelo destino que agora me testa e me desafia pelas novas vertentes que o tempo imporá e que eu hei de encarar, sim.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

De proibido à deslumbrante


     Sensibilidade a mil, sentidos à flor da pele e, sabendo olhar, conclui-se o quanto é bonito o envolvimento entre dois corpos. Hipocrisia é querer recriminar o que no íntimo de cada um é tão desejado e ver como pecado o que mais se quer na companhia de alguém: a união de dois corpos, similares ou não. São ímpares todos os motivos que temos para fazer com que cada combinação seja única.
     Estar a sós com quem passaríamos o resto das horas nessa vida tão cheia de surpresas é o passaporte para a felicidade escancarada no riso que sai fácil do canto da boca e logo toma conta de todo o rosto nos segundos que parecem passar vagarosamente só de sentir a presença do outro. O aroma da pele, natural do ser humano, é que torna cada pessoa tão singular e nos remete no mesmo instante a quem plantou e ainda rega na companhia que teve, o desejo de repetir qualquer fragmento dos momentos que certamente são guardados na memória do corpo e da mente.
     Perdem-se os sentidos racionais que apressam cada minuto daquele episódio tão pacífico e dá-se o caminho livre para a entrega total ao prazer. Um simples encontro com aquele que desorganiza todas as formas de pensamentos já planejadas para quando esse dia chegasse, é a chave para o embaraço que mesmo na tentativa esperançosa de estar escondendo a turbulência que ele causa, é transparente não só para todos que figuram secundariamente aquela cena que tem como protagonistas o ‘casal’ ocasional, como também para a fonte de toda essa adrenalina. O beijo de cumprimento dado na bochecha, lento e intenso, transmite todas as intenções que estão por trás desse breve ato e logo são captadas por ele quando seguido de um olhar atento e fixo às íris castanhas.
     Os rostos se aproximam e já é perceptível a respiração ofegante que sai da boca entreaberta de ambos, as quais tiram de cena todos os milímetros que separam os lábios sedentos por um beijo. As mãos, ao mesmo tempo deslizantes e firmes, dão os cumprimentos umas as outras e como um ímã se entrelaçam sem nenhuma força contrária que as separe enquanto dura o abraço tão completo quanto duas peças de um quebra-cabeça que se encaixam; elas viajam por toda a extensão da pele que em um momento de completa entrega contraria qualquer pudor e deixa que sejam libertos todos os instintos camuflados nas vontades que há em cada corpo. Os olhos, cerrados, voltam aos poucos a se encarar após o laço que foi selado por um minuto. O coração fica palpitante e um frio inesperado que surge sabe-se lá de onde em meio a tanto calor humano, domina dos pés à cabeça o corpo que por hora é acéfalo – não pensa, só responde aos reflexos enviados e reciprocamente retribuídos pelos felizardos que acompanham um processo mútuo de pura inércia.
     Esqueça o perfume de rosas, a chuva de prata e os anjos fazendo a trilha sonora de sua noite de amor com sinos e harpas. Real e gratificante mesmo, é sentir a necessidade do outro em tê-la para si só; é a vontade de absorver todas as sensações dadas e recebidas onde a única intenção é a busca pela felicidade ainda que por uma ou duas horas. É sentir cada pelo dos braços, costas ou barriga ouriçados porque os poros da pele se arrepiam naquele momento, e notar as batidas cada vez mais freqüentes do coração que mal cabe dentro do peito, tamanha satisfação que vive até que... o mundo se transforma e todo aquele cenário imaginado a princípio, em termos meramente psicológicos, acontece. A intimidade é tanta que abre portas à possibilidade de confundir onde é que termina os cabelos longos e soltos da moça para dar início aos pelos pequenos e espetados da barba por fazer do rapaz. Só o que se sente é o cheiro suave e romântico das rosas, tudo o que chove é prata, ouro, estrelas e os demais astros que fizeram a noite, de fato, brilhar e as harpas e toda a orquestra que se ouve, nada mais são do que os suspiros que expressam – em uma só palavra – a plenitude experimentada.
     Vai embora, então, todo o transtorno que os impulsos hormonais e afetivos – independentes de amor e juras eternas – trazem consigo e ficam apenas as boas lembranças. Os pés que roçavam em sincronia um no outro, o braço musculoso que servia de apoio para os olhos que adormeciam, ou ainda os dedos delicados e leves que escorregavam do nariz em direção à testa com destino aos cabelos curtos que tanto são acariciados para amanhecer no outro dia com os dentes a mostra devido ao sorriso que estampa a cara e entrega os pensamentos. Como um filtro seletivo, do que não foi bom deve-se despedir, e apenas conviver diariamente com tudo aquilo que não se cansa de relembrar e esperar ansiosamente.